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Críticas

Cineplayers

Apesar dos inúmeros clichês, é um filme sincero e lotado de boa energia.

7,0

A cena inicial começa num jogo de plano-contraplano de várias pessoas se arrumando à noite para irem a seus respectivos bailes, e logo identificamos dois grupos bem distintos: o dos (supostamente) ricos, que se arrumam e roupas de gala tradicionais e o dos (supostamente) pobres, que põem roupas provocantes e improvisadas com um ar de periferia; a elegância da dança de salão contrapondo-se com a liberdade do hip-hop. Um olhar mais cuidadoso nos mostra, entretanto, que o que separa os dois mundos é meramente uma barreira cultural fabricada, algo tão tênue e atento a detalhes que faz vista-grossa para o essencial, que é um só. Apesar das vestimentas serem radicalmente diferentes, assim como a forma de dançar, ambos os grupos se arrumam com bastante cuidado para ir ao baile, como se fosse para um evento religioso, e a energia e emoção posta na dança é igual para todos; é mais ou menos nessas linhas que o filme trabalha.

Baseado na vida de Pierre Dulaine, o filme conta a história de um professor de dança experiente que um dia pára pra observar um jovem destruir um carro com um taco de golfe. Tentando entender de onde vinha toda aquela frustração, ele segue uma pista e localiza a escola do garoto mas, diante da atitude um tanto passiva da diretora, decide ele mesmo fazer algo para ajudar os chamados rejeitados da escola; do modo que ele conhece melhor. Candidatando-se como professor voluntário da turma de detenção, ele tem um plano bem mais ambicioso que apenas passar o tempo dos garotos, ensinando-lhes valores universais através da disciplina da dança.

Constituída (de acordo com o filme) pela valsa, valsa vienesa, rumba, salsa, merengue, foxtrote e tango, a dança de salão é um universo aparentemente bem distante do que eles estão acostumados, o que causa um desconforto para os alunos, a começar pela música, considerada pré-histórica (e é no mínimo curiosa a saída achada por Pierre para vencer essa hesitação dos alunos). Mas, aos poucos, essas barreiras vão sendo vencidas, seja por uma sensual apresentação de tango ou pela vontade de despeitar os alunos esnobes de uma academia e, sem perceber, vão se envolvendo cada vez mais com a dança, a ponto de gastarem seus tempos livres a praticar os passos, até inconscientemente durante a aula ou no metrô. Sem nunca soar falso, esse amor que todos conquistam pela dança é um dos grandes trunfos do filme, juntamente com sua galeria de personagens carismáticos, e que tornaria tudo muito vazio se o público não conseguisse sentir isso.

Não que o filme não tenha seus problemas, frases ingênuas de efeito são usadas e abusadas, conflitos previsíveis e algumas situações absurdas – em especial mais para o final – não chegam a estragar o filme, mas diminuem sua experiência, e um espectador mais exigente pode se aborrecer com certos maneirismos de roteiro. Uma falha em especial vai em relação ao ritmo do filme, sabemos que o tempo está passando mas não sentimos isso efetivamente, e é um tanto estranho aqueles alunos que, num momento se atrapalhavam com a valsa lenta e estavam aprendendo os detalhes básicos de condução da dama, pouco depois estarem dominando a base de estilos bem mais complexos como a salsa e o tango.

Também a idéia mais interessante do filme é pessimamente desenvolvida: certo dia, o prof. Dulaine entra em sala e pega os alunos dançando elétricos ao som de músicas justapostas de hiphop, e decide usar este mesmo artífice para remixar uma canção clássica com uma batida moderna, e pondo-os para dançar a base do foxtrote em cima disto. Além de misturar as músicas, acabam por misturar os estilos de streetdance com as danças clássicas de salão, e quando o filme ameaça explorar melhor isto (especialmente após um atrito entre os alunos da periferia e os alunos tradicionais do Dulaine), simplesmente se esquece e volta a focar os garotos dançando os estilos clássicos, só voltando a abordar esta curiosa e inventiva fusão na seqüência final de tango.

Seqüência esta fantástica, diga-se de passagem. Todas as coreografias do filme são muito bem planejadas e executadas mesmo que um pouco exageradas às vezes. Esta parte é muito trabalhada no filme, todos os atores tiveram aulas com o verdadeiro Pierre Dulaine, mas visivelmente alguns dançam melhores que outros, e isso é eficientemente incorporado à trama, tendo no final os alunos com mais dificuldade apresentando uma dança correta mas modesta, enquanto os que já eram abertos à dança darem espetáculo. Entretanto, algumas dessas mesmas apresentações deslumbrantes quase são estragadas por uma direção cheia de cacoetes de videoclipes que não deixam a dança fluir, como abusar de closes e ângulos diferentes, e ficar alternando slow e fast-motion.

Ainda analisando a seqüência inicial, mais profundamente, percebemos de cara alguns detalhes e clichês do gênero que apenas se confirmam ao longo da produção, como o sofisticado professor que vê na dança sua filosofia de vida, a jovem de classe alta que se esforça mas não acredita em si mesma, o rapaz vindo de uma família problemática que tenta se livrar do submundo e ser respeitado mas é constantemente impedido, o professor burocrático que não liga para os alunos mais pobres, a gata borralheira, e por aí vai... sim, estes e muitos outros estão presentes, mas o que poderia ser um filme enjoado e previsível, nunca toma essa forma. Vem Dançar se mostra um filme sincero e com bastante energia, que apenas aproveita uma fórmula manjada para respirar vida própria e dar seu show.

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