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Críticas

Cineplayers

Um documentário tendencioso sobre o clima global.

5,0

Após perder nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2000, o então vice-presidente Al Gore resolveu guinar sua vida para alertar as pessoas do país e, futuramente, do resto do mundo sobre os males do aquecimento global. Ele, que já tinha uma bagagem bastante extensa no assunto, tendo escrito um best-seller em 1992 sobre problemas ambientais e internacionalmente reconhecido como um militante ambientalista, preparou uma extensa palestra sobre o aquecimento global; palestra essa que, de acordo com ele próprio no filme, já foi apresentada mais de mil vezes ao redor do mundo, e é constantemente atualizada com novos recursos e dados. Este filme acompanha de perto uma palestra recente de Gore, e seus comentários sobre eventos recentes.

Porém, apesar de simplesmente filmar a palestra como um cinegrafista, o diretor David Guggenheim vai além, intercalando cenas da palestra com imagens de arquivo, vídeos ilustrativos e cenas gravadas em outras ocasiões com Al Gore, durante suas viagens internacionais e reuniões com pesquisadores e políticos. Isso seria quase obrigatório, para não tornar o filme enfadonho demais mas, mais que um recurso padrão para dar alguma dinâmica a uma palestra bem inerte, o filme tem seus méritos por ser muito bem montado. 

Neste sentido ele flui muito bem, nunca temos muitas cenas juntas da palestra nem muitas cenas em off, e estas, com exceção de uma, nunca estão lá gratuitamente, sempre servindo para ou ilustrar melhor algo, ou ditar o ritmo do filme. De todas estas cenas, as mais interessantes são as que retratam momentos da vida de Al Gore. Elas não só retratam momentos bem pessoais da vida do ex-vice-presidente, como o atropelamento de seu filho pequeno e a morte irônica de sua irmã por câncer de pulmão, uma vez que a família tinha uma plantação de tabaco, mas também fazem paralelos com eventos globais, bem como os comentários do Gore na época e atuais, de como eles moldaram o modo de pensar dele e, por breves momentos, se aproxima de um filme-ensaio. Uma pena que o filme não teve competência para seguir mais a fundo nesta linha de pensamento, e algumas das cenas acabam soando incompletas e muito melosas.

Mas a edição não é só méritos do filme, a própria palestra de Gore é muito bem planejada. Contando com vários recursos audiovisuais e multimídia, ela já é cativante por si só, e de fácil assimilação para o público em geral. Muitos dados estatísticos, seqüências animadas e imagens de arquivo, além de muitos gráficos e fotos. Do mesmo modo que elas funcionam para a platéia, também funcionam para os telespectadores; a palestra em si pode quase ser considerada um documentário informativo, daqueles que passam na televisão. Não só é bem planejada, como ela também conta com o inegável carisma de Al Gore, sempre seguro e inspira uma confiança contagiante em quem quer que esteja assistindo, sabendo dosar momentos de seriedade com momentos de humor (e o filme não tem poucos). Unindo um ritmo eficiente, bons recursos técnicos e um ótimo orador, o filme tinha tudo para ser altamente recomendado, não fosse o que Gore tem a dizer.

Ele tenta, durante a palestra inteira, praticamente, nos convencer de que o planeta se encontra num estado de calamidade absurdo, causado pela ação do homem em dois séculos de revolução industrial, e pinta o cenário apocalíptico padrão da cartilha ecológica do politicamente correto. Uma coisa é falar que está tendo um aquecimento global, outra é de que está ocorrendo um aquecimento global anormal e outra ainda é dizer que é tudo culpa do homem. Com análises bem superficiais e sem nenhuma indagação crítica, Gore ridiculariza os cientistas que dizem não ter dados suficientes para afirmar qualquer coisa, citando uma pesquisa sem fonte com “milhares de cientistas” ao redor do mundo e dizendo que todos chegaram às mesmas conclusões.

Para piorar, quase toda a base de argumentação de Gore vem de observações próprias dele e de uma analogia entre o aumento da taxa de emissão de CO² e o aumento da temperatura. Para comprovar isso, ele mostra um gráfico da variação de temperatura no planeta por 650 mil anos, mostrando vários ciclos que se repetem, e ciclos de emissão da taxa de CO², que variam junto com a temperatura. A partir de apenas isto, ele já conclui que a quantidade de CO² liberada é que determina a temperatura, e não o contrário, e prevê um futuro desastroso, já que a taxa de CO² aumentou mais que o normal nas últimas décadas (mesmo ele deixando de mostrar que o aumento da temperatura não seguiu nem de perto a mesma curva). Isso tudo baseado na noção comum de que o CO² intensifica o efeito estufa, explicada na palestra através de um desenho animado, sem nunca parar para questionar isto. Será que nenhum dos milhares de cientistas do mundo que ele citou, pararam para perceber que a imensa maioria de CO² se localiza nos oceanos, e que o aquecimento natural dos oceanos (devido a vários fatores como a mudança do albedo terrestre, a oscilação decadal do pacífico, a mudança na absorção da radiação solar por estarmos geologicamente perto de uma nova era glacial) provoca a liberação deste CO² para a atmosfera, e que na verdade é a temperatura que regula a taxa de CO² e não o contrário?

Mais desastroso ainda é quando Gore começa a fazer paralelos de praticamente tudo que há de ruim no meio ambiente com o aquecimento global, mesmo não havendo nenhuma relação ainda que o cenário calamitoso fosse verdade. Cita, por exemplo, o desastre de 2005 em Nova Orleans como uma prova do recente aquecimento das águas oceânicas, sem lembrar, é claro, que já houve um furacão mais forte que o Katrina há mais de 100 anos que devastou uma cidade no Texas, e que o motivo do “aumento” na atividade de ciclones tropicais é porque a grande maioria deles ocorre no oceano, e que estes só são detectados via constante monitoramento por satélite, tecnologia que inexistia há 15 anos. Este erro, de desconsiderar que tudo no clima é cíclico, se repete por várias vezes durante a palestra; quando não é isso, ou ele tendencia fatos (como o do degelo de uma península na Antártica, ignorando as pesquisas recentes que mostram que o continente está esfriando) ou tira conclusões precipitadas baseadas em senso comum e obviedade.

Mas tudo isso esconde uma face pior, de interesses. O filme mostra, em certa parte, várias manchetes de jornal mostrando cientistas que defendem o aquecimento global sendo perseguidos e ameaçados de morte por grandes organizações, novamente pintando um cenário de terror, como se houvesse uma grande conspiração tentando silenciar o alerta ao perigo iminente. Não que não haja muitas corporações que fazem de tudo para impedir ou driblar leis ambientais que lhes causem prejuízos, mas há de se lembrar que tem os dois lados, e que não só os “poluidores” têm interesses. Livros como O Ambientalista Cético e A Máfia Verde estão aí para provar que, quando se tem dinheiro no meio, qualquer pesquisa séria é comprometida (não coincidentemente, durante os créditos do filme, há uma propaganda de uma ONG que combate o aquecimento global). E qual seria o interesse de Al Gore nisso tudo? Por três vezes ele deixa isso transparecer no filme, ao citar o governo Bush. Crítico ferrenho da atual administração, não é à toa que Gore planejou esta palestra logo após ter saído mordido de uma eleição que era para ter ganho. Inclusive, durante a palestra é mostrado um vídeo do processo eleitoral de 2000, pintando os republicanos como extremamente desonestos e anti-ambientais. Tudo isso porque a posição do governo Bush é de que não há dados e pesquisas suficientes para afirmar se há ou não um aquecimento global causado pelo homem.

No final, poderíamos ter um filme bastante instrutivo e interessante, mas tudo é posto à baixo quando Gore deixa de apresentar dados e fazer indagações, e passa a tirar conclusões altamente precipitadas e duvidosas, e as tomando como fatos. O que é uma pena, pois o filme passa uma imagem convincente da paixão e luta ecológica dele, e a palestra é bem interessante quando não está falando sobre aquecimento global. Se alguma coisa salva o filme, é justamente este comprometimento do Gore de alertar às pessoas para cuidarem do planeta. E realmente, é necessário que medidas sejam tomadas para proteger o legado ambiental, e há milhares de razões para se evitar a degradação do meio ambiente, mas o aquecimento global, ao menos por enquanto, não é uma delas. E essa posição não comprometeria tanto qualquer outro tipo de filme, mas esta desinformação em um documentário é inaceitável.

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