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Viajantes, As

(As Viajantes, 2019)
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Críticas

Cineplayers

O primeiro medo

9,0

Construção de clima no cinema parece fácil de conceber, mas não é todo mundo que monta uma atmosfera de maneira crivel e funcional. Quando o filme é uma colcha de possibilidades aberta e propensa a ser lida de diferentes pontos de vista, parabéns ao cineasta que conseguiu dinamizar um universo amplo e ainda assim elaborar uma mise-en-scène que una tão poucos elementos de maneira tão eficaz e precisa. Os parabéns nesse caso vão para Davi Mello, que move poucas peças no tabuleiro de As Viajantes (idem, 2019) para promover tensão e um retrato de impacto sobre paranoia moderna sem deixar coisas fora do lugar, mas aparentando deixar.

Em um único cenário, vemos a interação entre Gilda Nomacce e Majeca Angelucci descambar de um fim de noite furtivo entre amigas para uma observação sobre o medo e as raízes do mesmo. Os elementos dispostos por Davi são econômicos, o que só aumenta tanto o prazer em desfolhar seu filme como a impressionante realização alcançada com tão pouco. Com um cômodo-chave, um corredor, uma porta, uma janela e a vista exterior, o jogo realizado aqui de sugerir, instigar e plantar questões acaba se mostrando um belo acerto em todos os sentidos, reavaliando o cinema de gênero feito hoje no país e que prepara o terreno para voos maiores de seu diretor.

Não existiria um acerto tão efetivo se a luz de Viktor Ximenes Ferraz não fosse tão envolvente, ou a montagem de Stefano Calgaro não nos colocasse na aguda velocidade da sua intenção. Uma equipe espantosa que nos envolve nesse breve conto de ficção científica de terror onde o perigo que se vislumbra pode estar mais interno do que poderíamos imaginar, indo além da atmosfera espacial e adentrando o espaço corporal. O filme provoca por fim o aparecimento de uma incômoda sensação de desamparo e desconforto diante do vazio, simplesmente do que não existe fisicamente; o "nada" ainda é a mais acertada arma para incutir um estado de pavor.

A cereja do bolo é a interação entre Majeca e Gilda, responsáveis por criar em nós os laços que liberam a humanidade necessária para comprar todo aquele ambiente. Especialmente Gilda, uma atriz que não cabe em si de tantos recursos, nos leva para um lugar próximo para gradativamente retirar nossas certezas raumo ao desconhecido, mostrando que reside nessa mesma atriz todas essas possibilidades, e que isso em si já conversa com a própria narrativa do filme. Ter apostado nos inúmeros caminhos que uma atriz como Gilda propõe não apenas é a espinha dorsal do seu filme, como ressignifica os reflexos que a obra promove na própria Gilda. Um acerto de Davi em criar o subtexto que realce os predicados de sua protagonista e de sua obra, ao mesmo tempo.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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