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Vidas ao Vento

(Kaze tachinu, 2013)
7,9
Média
202 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Quem consegue ver o vento?

8,0

Voar sempre fez parte do cerne das obras de Hayao Miyazaki. Talvez um dos maiores estetas e mais criativos cineastas de todos os tempos, o japonês setuagenário sempre associou a liberdade, a criatividade, a fantasia e a própria experiência de viver ao ato de poder voar. Não é de se admirar então sua paixão por aviões, e desde Porco Rosso - O Último Herói Romântico (Kurenai no buta, 1992) que ele não se focava tanto no tema como o faz agora em sua dita obra derradeira, Vidas ao Vento (Kaze tachinu, 2013) embora tenha passado nesse meio tempo por belíssimos momentos “no ar”, como no vôo da menina e do dragão pela noite de luar em A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001).

Vidas ao Vento é a obra mais ímpar na carreira dele, por ser a primeira vez em que o diretor não calcou sua história na fantasia. Podemos até considerá-lo como seu primeiro filme cem por cento voltado ao público adulto. A história gira em torno de Jiro Horikoshi, o homem que projetou o modelo dos aviões de caça japoneses usados na Segunda Guerra Mundial. Apaixonado por aviões desde pequeno, Horikoshi foi um designer muito importante e nunca escondeu seu desgosto em ver suas criações sendo usadas para promover massacres e mortes. No filme de Miyazaki, ele assume a forma mais de um personagem fictício, pois não se trata exatamente de uma cinebiografia. O cineasta apenas enxergou na história de vida do homenageado uma paixão em comum.

Embora seja um filme mais sóbrio e contido, Miyazaki em momento algum foge da óptica onírica pela qual suas animações sempre foram concebidas. A sequência de abertura mesmo remete a um sonho do protagonista, que nele conhece e troca ideias com seu ídolo, um designer de aviões italiano. Recorrentes, essas sequências em sonho permearão toda a obra e permitirão ao cineasta explorar sem receio suas cores, traçados e acrobacias aéreas, e de alguma forma afetarão inclusive o que se vê nos momentos em que ele está acordado.

O elemento que une esses dois universos que regem simultâneos a trama é o vento. Através do vento, e somente dele, que Horikoshi consegue dar vida ao que sonha, e também é ele que traz o amor de sua vida. É a força invisível, porém inegavelmente real, que existe para nós apenas pelo sentir e não pelo ver, que nos toca e que move destinos. Foi sempre o vento que sustentou as fantasias de Miyazaki, um mestre em tocar nossos corações muitas vezes da forma mais invisível e sutil. De certa forma, foi essa a grande força motora de sua carreira, tentar tocar o coração do espectador por meio de algo implícito em meio a tantas cores e aventuras aladas – algo que parece tão mágico, excitante e abstrato, mas ao mesmo tempo muito real e palpável, tal como o vento.

Depois de muitas aventuras, fantasias e viagens a universos extraordinários, é incrível ver que justamente em Vidas ao Vento, um drama sereno, que Hayao Miyazaki finalmente faz seu filme-testamento. Aqui convergem todos os temas que em algum momento ou mais cruzaram seu caminho: a história do povo japonês, a irracionalidade das guerras, os conflitos aéreos, a dualidade do sonho/realidade, o meio-ambiente, as catástrofes naturais, a amizade, o amor, a saudade, o sentimento da perda de alguém querido, a infância, o amadurecimento e a melancolia. Pela primeira vez ele analisa esses temas com um olhar mais pé no chão, direto e sem muitos aparatos alegóricos ou lentes coloridas, e justamente por isso consegue chegar a uma resolução mais madura, como se estivesse se despedindo e deixando para nós as ideias que gostaria que continuassem ganhando atenção de futuros cineastas.

De inédito, também vemos aqui o que possivelmente seja Miyazaki usando pela primeira vez o recurso de um alter-ego. O personagem que ele compôs com base em seu ídolo, Jiro Horikoshi, guarda muitas semelhanças com o cineasta. Ambos nunca puderam pilotar aviões por problema de miopia, são apaixonados por desenho (aliás, é a primeira vez que ele cria um personagem principal desenhista) e pelo céu. Não é difícil imaginar o porquê. Neste auto-retrato poético ele finalmente se desprende de si mesmo, se deixa levar pelo vento que por tantas vezes sustentou seus personagens, agradece seus admiradores, sobe quase que literalmente aos céus e passa de criador a criação, integrando finalmente a galeria de personagens inesquecíveis e traços marcantes que saíram de sua imaginação. Em Vidas ao Vento, ele troca a perspectiva de seu cinema, a ponto de refleti-la contra o próprio espelho. Ele, enfim, voa.

Comentários (19)

Nayara Ingrid da Cruz Andrietta | quarta-feira, 05 de Março de 2014 - 22:49

Como sempre críticas perfeitas Heitor, realmente Hayao Miyazaki é um gênio ele consegue passar as mensagens de forma única, amo todos seus filmes, alias quem não ama quero muito ver esse e pra quem diz que a Pixar faz obra prima, nunca se deparou com as obras do Estúdio Ghibli.

Francisco Bandeira | quarta-feira, 05 de Março de 2014 - 22:53

Disse tudo, Nayara! Túmulo dos vaga-lumes que não é do Miyazaki, sempre será um dos meus favoritos do estúdio, juntamente de Totoro, do mestre!

Francisco Bandeira | quinta-feira, 06 de Março de 2014 - 00:20

Eu vi por outro ponto de vista! Tipo, tem gente que fala até que \"Valente\" é obra-prima e tal... E deixam de lado o Studio Ghibli, que tem obras bem melhores! Tipo, muita gente, inclusive críticos consideram \"Frozen\" uma obra-prima, sendo que, ao meu ver, \"Vidas ao Vento\" é muito melhor!

Lucas Nunes | quinta-feira, 06 de Março de 2014 - 00:56

Studio Ghibli>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>Pixar.

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