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Críticas

Cineplayers

O exorcismo dos fantasmas de Coppola.

5,0

Em 1986, o cineasta Francis Ford Coppola passou pelo que, provavelmente, foi o maior trauma de sua vida pessoal, com a morte de seu filho de 22 anos, que foi decapitado em um acidente de barco.  Anos mais tarde ele realizaria um filme em sua homenagem, Tucker - Um Homem e Seu Sonho (Tucker: The Man and His Dream, 1988) –, mas de uma forma geral parece que o diretor jamais conseguiu superar, ou pelo menos expressar através de suas obras, o sofrimento de perda. Depois de se dar conta de que se sentia responsável pelo o ocorrido (como todo pai costuma se sentir em uma situação dessas), Coppola decidiu, como disse em uma entrevista, exorcizar seus fantasmas, e Virgínia (Twixt, 2011) veio como um veículo para isso.

Em Virgínia, filme que já cheira a mofo mundo afora, mas que somente agora estréia no circuito comercial brasileiro, o personagem principal atua como um alter-ego de Coppola, um escritor decadente que investiga as assombrações da cidadezinha de Swann Valley, enquanto tenta superar o trauma da morte de sua filha. Hall Baltimore (Val Kilmer) é aquele homem lidando com temas que estamos acostumados a ver no cinema de Coppola, como a culpa, a redenção e as relações familiares. Resumindo, o que forma um homem no sentido mais completo da ideia, por assim dizer. Assim como o filho do cineasta, a filha de Hall também morreu em um acidente de barco, e assim como Hall, que publicou apenas uma única obra de sucesso e agora luta para ser novamente reconhecido, Coppola nunca conseguiu se livrar da aura de “pilar do cinema contemporâneo americano” e, conseqüentemente, jamais conseguiu se superar e ganhar algum destaque depois de passados seus anos de glória.

Trata-se, portanto, de um filme de redenções, de exorcismos pessoais. Coppola iniciara esse processo em Tetro (idem, 2009) e, livre do peso das cobranças, se vê no direito explorar novas possibilidades sem se preocupar com críticas ou resultados satisfatórios nas bilheterias. De certa forma, é uma posição injusta, pois ao mesmo tempo em que é vangloriado como um mestre do cinema por suas obras-primas passadas, também é ignorado por suas novas tentativas de provar que ainda tem muita coisa de relevante para mostrar. Talvez por isso Virgínia tente ser tão desesperadamente novo, diferente e experimental dentro do universo do cinema de Coppola, e ao mesmo tempo não consiga se livrar de tudo o que sempre compôs esse universo. Por trás de toda sua técnica insana, sua direção de arte caprichadíssima e suas afetações visuais incessantes, fora a atmosfera gótica de um conto de horror à lá Edgar Allan Poe (que inclusive aparece como visão do protagonista), Twixt jamais consegue fugir da essência temática da filmografia de Coppola, e a constatação disso parece algo muito doloroso, mas também necessário, para ele.

E por mais que seja fascinante estar tão próximo de uma confissão de culpa e balanço de vida de Coppola, Virgínia não se sustenta como cinema, como a simples função de contar uma história e entreter seu público, de forma a incrementar e enriquecer a mensagem final da obra. É deficiente na maior parte do tempo, e o que começa com uma grande atmosfera, cuidadosamente construída e atraente, acaba se desmanchando aos poucos, perdendo seu encanto e interesse, até chegar a um ato final medonho de tão mal estruturado. Parece que, conforme foi se aprofundando em sua história/atestado de culpa, mais Coppola foi se perdendo dentro de seus próprios traumas e fantasmas, e por fim entrega uma conclusão hollywoodiana demais, que termina por espatifar de vez o que já estava frágil desde o início. Perdido entre o que foi nos anos 1970, passando pelo que se tornou ao longo dos anos seguintes, até se encontrar na posição de agora, Coppola conclui com Virgínia que ainda não se redescobriu como artista e não voltou a acertar a mão como almeja. Mas se serviu para que exorcizasse seus demônios pessoais, que seja reconhecido como válido para a possibilidade de um novo projeto futuro, em que talvez enfim ele consiga se realinhar como cineasta e, principalmente, como homem.

Comentários (19)

Heitor Romero | domingo, 26 de Janeiro de 2014 - 20:31

Samuel, o filme é extremamente pessoal para o diretor e o próprio falou que envolvia seu lado pessoal, não só como cineasta, mas tbm como pessoa. O que eu fiz foi apenas comentar que se o projeto, mesmo fraco, valeu para que ele alcançasse seus objetivos pessoais, então valeu a pena. Por isso o \"Mas se...\" do início da frase, claro que eu não sei como isso o afetou, por isso é uma sentença em que indico uma hipótese apenas.

Matheus Duarte | domingo, 26 de Janeiro de 2014 - 21:08

Tem gente que ainda não sabe interpretar textos... 😏

Mathias Reis | domingo, 27 de Abril de 2014 - 22:58

Gostei do texto do Heitor... realmente este não é um filme feito para o público, ou para produtores, parece muito mais um filme feito para si mesmo, por quem o fez...
Também achei que ele começa razoável e só vai piorando... e só no final, quando dos créditos, soube que era de Coppola: fiquei pasmo.

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