Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Os passeios de Agnès.

8,0
Ao receber seu Oscar honorário este ano, a diretora Agnès Varda, uma entre os poucos remanescentes ainda vivos da trupe de cineastas que mudaram o cinema com a nouvelle vague francesa a partir dos anos 1960, comemorou o prêmio dançando com irreverência ao lado da atriz Angelina Jolie – desde já uma das situações mais adoráveis na história da Academia. Cheia de bom humor, mas não por isso menos afiada em suas observações sobre o cinema nos dias atuais, Varda mostrou para o mundo que continua com o pique de uma garotinha e a lucidez de uma artista plena e em forma. Seu mais recente trabalho, Visages, Villages (idem, 2017), é mais uma prova de que essa querida artista belga ainda tem muito que oferecer. 
A ideia de Visages, Villages é, acima de tudo, contemplativa. Trata de acompanhar as andanças de Agnès pelo interior da França, ao lado do fotógrafo e muralista JR, um artista renomado e também celebridade do Instagram. Desse encontro nasce uma amizade muito sincera e natural, além de um bem vindo encontro entre o velho e o novo, o rural e o urbano, entre a fotografia, a pintura e o cinema. O interesse maior é notar o peso e a profundidade que os anos de experiência de Varda conferem às imagens, fazendo do filme um lindo tratado sobre a beleza do envelhecer e o valor do acúmulo de anos sobre o olhar a percepção de mundo de uma pessoa, apesar de todos os pesares.

Mesmo no formato documental, Varda imprime muita sensibilidade ao absorver aquelas imagens majestosas de muros pintados e esculturas abstratas em contraste com paisagens bucólicas, como se de alguma forma recortasse e colasse pedaços de ficção e subjetividade contra o fundo imutável de nossa realidade. Seus enquadramentos são sempre muito precisos nesse ponto, geralmente apostando em planos abertos que consigam abranger tanto a visão de Varda como cineasta, quanto à arte de JR captada pela câmera. 

Com sua costumeira sutileza, Varda vai partir dos contrastes entre ela e JR e caminhar até o ponto em que as visões dos dois artistas se coincidem e se refletem ou complementam. É quase um processo de reconhecimento, com Varda procurando desvendar a natureza da pessoa e do artista que há em JR, enquanto o rapaz por sua vez já a conhece por completo. A pulsão de vida, imaginação e criatividade dele promove um sopro de ânimo sobre ela, enquanto a experiência dela ensina e amplia a visão do muralista. A forma como ambos têm em comum a necessidade de preservar histórias através de suas imagens, sejam elas captadas por um pincel ou por uma câmera, resulta em uma linda reflexão sobre a relação de dependência que a arte tem com o tempo e a memória, o que remete a reminiscências de Varda sobre seus tempos de juventude e suas parcerias e amizades com os fotógrafos Guy Bourdin  e Henri Cartier-Bresson e o cineasta Jean-Luc Godard. 

Sempre muito leve e agradável, Visages, Villages é um isolado caso de filme singelo no atual cenário frio do cinema europeu. Dosando muito bem a melancolia, o humor, a reflexão e crítica, o documentário vai além de seu formato e se revela quase um autorretrato de uma das maiores artistas vivas, além de uma tocante história de amizade. 

Comentários (0)

Faça login para comentar.