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Críticas

Cineplayers

O pior filme de Woody Allen.

3,0

A leitura deste texto requer a conferida no filme em questão, pois certos fatos importantes à narrativa são discutidos abaixo.

Para compreender o ponto final de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é necessária uma pequena reflexão sobre os tons dos últimos filmes de Woody Allen. Há quem ache que este tom é recorrente – ou, diriam as más linguas, sempre o mesmo – e que não se coloca como uma novidade na carreira de Allen, porém discordo completamente. Woody Allen, roteirista, diretor e personagem de seus filmes, ainda que envolvido em neuroses mil e uma espécie de negativismo, sempre me pareceu um ser esperançoso e de certo modo crente de que as coisas pudessem caminhar para frente (para não dizer “evoluir”). Não que o homem de Allen fosse representado como alguém que seja capaz de atingir a redenção, mas pelo menos os filmes faziam crer que seria possível acreditar. O Woody Allen dos anos 2000 parece diferente desse Woody Allen clássico, parece realmente não crer em muito, ou não ter mais tempo, saúde e fé para perder tempo com a esperança. Woody Allen se tornou um fatalista absoluto e seus filmes recentes comprovam isso.
 
Pode ser visto, por exemplo, em Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, 2009), onde o disfarce de fell good movie é tão explícito que o personagem principal faz questão de afirmar isso para o público em determinado ponto do filme (e ainda assim muita gente saiu do cinema sem entender que se tratava de um filme de conformistas, não de gente feliz). Também é possível notar em Vicky Cristina Barcelona (idem, 2008), filme com personagens tão mesquinhos e egocêntricos, que suas incapacidades de transformação ficam subjugadas a seus próprios desejos enlouquecidos de se mover (e no final, todo mundo no mesmíssimo lugar). Allen se mostra amargo, disfarçando toda essa acidez com luz e música efusiva. E daí, o final de Você Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos casa perfeitamente com essa idéia, já que ninguém ali tem um final realmente feliz. Na verdade, ninguém ali tem um final. O personagem que podemos julgar estar feliz só o é por puro auto-engano e medo de enfrentar a realidade. Os escapismos dos demais impedem que o real final trágico seja revelado e o filme simplesmente acaba. Seria tudo uma junção feliz dos ideais pregados caso houvesse uma única coisa envolvida, mas que acabou sendo esquecida por Allen: cinema.

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é uma bagunça, no pior sentido da palavra. O começo do filme novamente joga o público num ponto da história que logo será reposicionado, através de explicações que antecedem aquele ponto da narrativa. No caso, novamente, por um narrador em terceira pessoa, muleta excessivamente empregada por Allen nos últimos tempos, mas que aqui atinge o ápice da ociosidade. O narrador não serve para nada que não ser didático e enfadonho, além de completamente esquecível, pois na maior parte do filme ele desaparece e você simplesmente toma um susto quando a voz volta a surgir, explicando as imagens ou apresentando verbalmente os personagens. Parece realmente preguiçoso, pois ao invés de utilizar de uma habilidade cinematográfica, os personagens do filme precisam ser apresentados por uma voz oculta. De todo modo, as idas e vindas temporais do início do filme, que poderiam até ser tomadas como uma ousadia estética da parte de Allen, não passam de uma confusão de plots, que só colaboram para o distanciamento da trama que está sendo proposta ali. Não se entende os personagens, até mesmo porque não se gosta deles – e muitas vezes nem se lembra que eles existem.

De certo modo, os personagens do filme servem somente como propósitos, funções para uma tese final a ser pregada por Woody Allen, mas justamente por isso tiram dela qualquer peso ou profundidade reflexiva que poderiam ter. O filme, quarto feito em Londres (depois de Match Point - Ponto Final [Scoop, 2005], Scoop - O Grande Furo [Scoop, 2006] e O Sonho de Cassandra [Cassandra’s Dream, 2007]), é pontuado por personagens de uma espécie de classe média inglesa, como se fossem correspondentes dos nova iorquinos de Manhattan, porém comprovam a completa ausência de domínio do cineasta em relação à sociedade que ele está tentando retratar. Nos casos anteriores, a lógica da aristocracia o servia bem, justamente por ser de certo modo notório e geral em qualquer sociedade, mas, no entanto, em Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos as pessoas “comuns” não são minimamente verossímeis e a performance dos atores acaba comprometendo, mais uma vez, a aproximação do público com a narrativa do filme. Não é crível ver Naomi Watts como uma dona de casa inglesa, com dificuldades no trabalho e no casamento, não pela atriz não se encaixar no papel, mas por Allen não saber do que está falando nessa questão e assim o distanciamento de Watts daquela realidade fulminar qualquer cena que pudesse ser bem sucedida nesse sentido. Gemma Jones, atriz inglesa, se sai bem simplesmente por ser inglesa. Josh Brolin e Naomi Watts (ainda que esta seja natural da Inglaterra, mas com criação predominantemente australiana), interpretando ingleses, são peixes fora d’água e chega a ser constrangedor vê-los em cena, ainda mais sabendo da velha tradição de Allen em não dirigir seus atores.

Não busco aqui uma discussão sobre verossimilhança e nem julgo que o filme seja determinado por isso ou pela escalação de seu elenco, mas faço questão de ressaltar esses pontos, pois eles são argumentos importantes para o entendimento do problema maior que sofre o filme: a mais completa ausência de inspiração e controle de Allen diante de seu material. E quando digo “material”, digo até mesmo seu texto. Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, além de confuso e irregular, é um filme recheado de gags sem graça e falas tão fracas que chega a ser difícil atribuir a autoria deste roteiro a Woody Allen (que para muitos é roteirista, acima de cineasta). Para quem já classificou os filmes de Allen como “de roteiro” ou “estéticos”, este não compreende nenhuma das duas terminologias, pois o caos visual (completa indefinição de uma estética, além de planos estranhos e sem harmonia) se alia à fraqueza do roteiro, que se não tivesse o final que tem, não valeria nem mesmo este parágrafo que fala mal dele.

Mas se o final é bom, em que ponto o filme deixou de ser? Ele simplesmente nunca foi, pois o que há de bom no fim é somente a teoria que se pode extrair dele (assim como se podia fazer o mesmo dos filmes mais recentes, sem que necessariamente tivesse que sofrer uma sessão de erros antes). O narrador em off, que constantemente era esquecido, volta no final para afirmar que aquilo ali era o final. Seria interessante caso fosse uma subversão, mas não é, já que ele é necessário na lógica didática que certas funções artificias tomaram dentro do projeto. O final é determinado e explicado, justamente por não existir um clímax. E junto da inexistência dele, a falta de emoção, de graça, de unidade, de interesse, enfim, de um bom cinema por parte de Woody Allen. Espero realmente que tenha sido um lapso de preguiça na carreira deste que, acima de roteirista e cineasta, sempre foi um grande entusiasta da reflexão artística. Ou pelo menos era.

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