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Críticas

Cineplayers

Amor no ritmo da música brega.

6,0

Não há arte que dialogue mais abertamente com nossos sentimentos do que a música; como quando ouvimos os versos certos para apaziguar turbulências emocionais, ou nos deparamos com um conjunto de ideias e harmonias cuja força parece nos completar, nos tornar maiores e mais vivos. Também não há arte que possa ser mais subjetiva do que a música; na variedade de sons e conceitos existentes, são encontrados diversos de nichos, estilos, formas de se fazer e de apreciar canções. Em Vou Rifar Meu Coração (idem, 2011), a cineasta Ana Riper propõe uma viagem por um destes universos musicais, o da música popular romântica brasileira, que ficou famosa por um termo pejorativo, porém facilmente reconhecível: o brega. Estão presentes artistas consagrados como Agnaldo Timóteo, Amado Batista, Nelson Ned, Lindomar Castilho, Fagner, Wando, entre outros que, com suas canções, embalam momentos de felicidade e amargura de um nicho social que sente-se representado naqueles versos - e, principalmente, que sente-se compreendido por eles, pois seus habitantes encontram a si mesmos nos versos doloridos sobre desilusões amorosas e a necessidade de superá-las.

Para dar conta deste universo, Ana Riper trabalha o tema sobre duas linhas que se cruzam constamente: os artistas compositores destas canções e as pessoas que as ouvem, e que relatam algumas das histórias que tornaram possível esta identificação tão grande com os temas retratados pelas músicas. E, se existe um grande mérito no filme de Ana, é justamente essa busca por personagens reais interessantes e capazes de exteriorizar com muita graça e sensibilidade a relação entre as canções ouvidas e as histórias de suas vidas, que vão de cornos ganhos de seus parceiros a histórias ainda mais curiosas e surpreendentes - como a do prefeito de uma cidadezinha do Sergipe, estado em que foi rodado o documentário, que mantém abertamente duas esposas, as quais divide entre os dias da semana; história que ele conta ao lado de uma delas, sentado à mesa da cozinha, sendo observado pela mulher com um olhar de reprovação e ao mesmo tempo de complacência, de aceitação, como se não existisse outra solução que não aceitar essa condição em que vive.

Vou Rifar Meu Coração funciona de maneira bastante agradável quando se dedica a apresentar estes pequenos casos da vida real, contados por pessoas humildes, que não se encaixam no padrão de beleza tradicional da sociedade e vivem em um nicho específico. São homens e mulheres que lidam com certa ingenuidade com o amor e as situações que ele gera, da paixão à traição, do sexo ao fim de um relacionamento, e que, principalmente, vivem tudo isso de maneira muito intensa, passional. É portanto uma pena que o filme, em determinados momentos, se satisfaça construindo situações que potencializam de forma vulgar o lado mais ridículo desta ingenuidade e da breguice como um todo, fazendo humor sobre algumas questões delicadas, tornando as cenas mais eficientes como entretenimento de exotismo do que como registros deste mundo que ele deseja explorar. Através de alguns jogos de montagem, que realizam associações duvidosas e ignoram o respeito e a sensibilidade do restante do filme, surgem cenas como a dança do casal gay, dançando e beijando-se enquanto acompanhamos no áudio o relato de um taxista falando sobre “não ter um lado feminino”.

Iguais a este existem vários outros momentos, que, mesmo provocando um riso instantâneo, poderiam ser evitados para dar espaço a mais situações como a conversa com as três amigas desiludidas com o amor, que faz sorrir não pelo ridículo extraído da situação, mas pela leveza com que o filme permite a essas personagens se mostrarem em tela autenticamente. Também parece haver um equilíbrio excessivo entre as cenas com os músicos e as com os ouvintes, sendo que o segundo grupo é sempre mais interessante que o primeiro (alguns artistas não fazem mais do que ressaltar o quanto são importantes para a música popular romântica, como Agnaldo Timóteo, que aparece diversas vezes, mas cujas intervenções são interessantes em apenas duas ou três delas). Porém, se essa irregularidade fragiliza o resultado do filme, também não é suficiente para prejudicar completamente a experiência. Nos seus melhores momentos, Vou Rifar Meu Coração segue um belo retrato de pessoas que se encontram por meio da música, que independente da procedência, do gênero ou da qualidade, produz vibrações que marcam o mundo todo.

Comentários (4)

Danilo Rocha | segunda-feira, 23 de Janeiro de 2012 - 21:09

"Agnaldo Timóteo, Arnaldo Batista, Nelson Ned, Lindomar Castilho, Fagner, Wando" hj em dia é cult. Tem uma galera q diante da música brega atual (Top Love, Bonde do Maluco, Silvano Salles...) diz q música brega boa são esses citados na crítica. Pura hipocrisia.

Contudo, a crítica vale pra voltar a atenção ao filme. Boa. 😉

Daniel Dalpizzolo | terça-feira, 24 de Janeiro de 2012 - 02:33

As entrevistas do filme são todas com cantores da velha guarda do brega mesmo.

Adriano Augusto dos Santos | domingo, 24 de Junho de 2012 - 09:09

Curioso.Parece fazer justiça à música.

Sinto falta de um que fale sobre o sertanejo (exclua universitarios e seus axes e funks),não há um que traga a musica,sua verdade,sua importancia.

Mesmo em filmes são tão poucos que o representam.

Douglas Braga | terça-feira, 21 de Maio de 2013 - 13:38

Corrigindo: é Amado Batista, e não Arnaldo Batista.

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