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Críticas

Cineplayers

O que impressiona é que os "atores" são mais humanos que a maioria dos que vemos em filmes de Hollywood. Outra obra-prima da Pixar.

10,0

Em 1994, o que era um simples almoço entre amigos revolucionou e elevou o status das animações a um patamar não imaginado até então. Os amigos em questão eram Brad Bird, John Lasseter, Andrew Stanton e Pete Docter, que desenvolviam idéias para futuras produções animadas em três dimensões, enquanto trabalhavam em um projeto intitulado “Toy Story”. Podemos agradecer entusiasticamente quem propôs esse almoço, pois dele recebemos os excelentes “Vida de Inseto”, “Monstros S.A.”, “Procurando Nemo” e, mais recentemente, “Wall-E”.

Se “Toy Story” foi o marco inicial para que o mercado infantil se voltasse às animações em três dimensões, hoje a Pixar continua presenteando seus espectadores com produções ricamente elaboradas, lembrando que os detentores dos maiores méritos para essa forma de animação são eles próprios. A Pixar também merece o crédito por alavancar o preceito de que animações não são feitas exclusivamente para crianças, levando às salas de projeção por vezes até mais adultos do que o habitual público infantil (e os pais agradecem por terem opções inteligentes para eles e seus filhos à disposição). E “Wall-E” é a mais nova alternativa do público que espera os excepcionais trabalhos da produtora, que hoje é referência quanto a animações que elevam seus quesitos técnicos às alturas, assim como concebem suas histórias. 

No ano de 2700, Wall-E, ou Waste Allocation Load Lifter – Earth-Class, é o último robô de sua linha de produção, que foi concebida para “limpar” a Terra que se encontra em estado deplorável de conservação. Os humanos que restaram vivem orbitando ao redor do espaço em uma imensa nave, aguardando que o planeta se torne mais uma vez habitável para poderem regressar. Em seu cotidiano, Wall-E se torna um grande admirador da cultura humana, o que cria seqüências extremamente divertidas imersas na cultura popular contemporânea (nossa, não na do pequeno robô), como quando o pequeno brinca com um cubo mágico, uma caixinha de um anel e até mesmo com um vídeo-game. Isso até aparecer Eve (ou Eva, na versão nacional), uma “deslumbrante” robô que veio ao nosso planeta procurar por organismos vivos, que causa um curto-circuito (com o perdão do trocadilho) na vida de Wall-E.

Paralela a essa interessante premissa, as referências cinematográficas aparecem aos montes. A mais evidente se agrega ao fato de os protagonistas não falarem, apenas emitirem sons e ruídos, o que torna o filme praticamente isento de diálogos. Daí se percebe muito do humor chapliniano, inserido nas piadas físicas e na feição carismática do protagonista. Depois temos em Eve o papel feminino contraposto ao do rapaz apaixonado, o que nos remete ao brilhante “Luzes na Cidade”, de 1931. Existe também uma forte inspiração (ou seria uma homenagem?) por “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, mas falar mais que isso pode estragar algumas surpresas. O design do personagem principal é outra implícita referência, confirmada pelo próprio diretor Andrew Stanton, vinda do R2-D2, da saga intergaláctica Star Wars. Para finalizar, uma tocante seqüência em questão é clara alusão à “E.T. – O Extraterrestre”.

Quase beirando à mesmice, o que não se pode deixar de comentar quanto se critica um filme da Pixar é a qualidade técnica do mesmo. Em “Wall-E” essa qualidade é tão visível que molda, junto à criação magnífica de Stanton, características únicas aos personagens, que são tão críveis quanto os bonecos de “Toy Story” ou os atuais personagens elaborados em CGI, como o Gollum da trilogia “O Senhor dos Anéis”. E isso é extremamente importante para a aceitação de um projeto como “Wall-E”, que se baseia inteiramente na composição e desenvolvimento dos pequenos robôs (que além de tudo não falam!) e demais personagens. 

Outros positivos aspectos de “Wall-E” que não podem deixar de ser comentados dizem respeito à qualidade do som elaborado por Ben Burtt, vencedor do Oscar por quatro vezes. Burtt, que além de todo seu trabalho emprestou sua voz ao personagem principal, após diversas etapas de modulação. Uma vez que temos um filme praticamente sem diálogos, a importância do som é atrelada aos menores detalhes, como o andar dos personagens ou mesmo ao manuseio de algum objeto. Ações essas representadas em perfeita sincronia da animação com o trabalho sonoro de Burtt.

A humanização do personagem ao decorrer da projeção faz até os mais atentos desprenderem-se da perspectiva tecnológica e científica inserida na realidade que o roteiro propõe, uma vez que as aventuras e desventuras do apaixonante duo de protagonistas se sobressaem a questões condizentes às plausíveis ou irreais situações presentes no mesmo. Quando o assunto é a mensagem ambiental que a animação sugere, mesmo com a negação do diretor (Stanton diz que todo o apelo ambiental surgiu em decorrência da trama, e não o oposto), ela acaba por tornar-se evidente e funcional.

A magia criada por Stanton e moldada pela Pixar gera tamanho enternecimento que ao término do filme indaguei a respeito da empatia dos personagens, que são muito mais expressivos que certos atores hollywoodianos. O carisma do protagonista e de sua parceira é imenso e salta aos olhos, que por diversas vezes insistem em embaçarem-se com algumas lágrimas. Garanto para os mais sensíveis (me incluindo nessa categoria) que a comoção pós-“Wall-E” é tanta que mesmo um extintor de incêndio ou uma pequena barata não mais serão vistos sob a mesma ótica.

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