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Críticas

Cineplayers

Como um troféu no meio da bugiganga.

6,0
Muitas águas rolaram desde a estreia de X-Men - O filme (X-Men, 2000), tanto na história da luta dos mutantes pela conquista de um espaço de igualdade na sociedade humana, como na indústria do cinema e as superproduções de filmes de super heróis. Essas duas histórias aos poucos se entrelaçaram, sendo o primeiro filme um precursor dessa fórmula atual de fincar a fantasia das HQs nos dilemas reais do mundo moderno, de forma que dos anos 2000 pra cá já não interessa tanto o delicioso tom cartunesco de um Batman - O Retorno (Batman Returns, 1992), mas sim essa pretensão épica de um trabalho politizado, reflexivo, espelhado nos dramas de pessoas comuns e preocupado em expor a condição humana por trás das máscaras e roupas coloridas de borracha. Hoje, dezesseis anos depois, temos uma enxurrada de todo o tipo de filme de herói, desde os mais bobinhos, passando pelas inevitáveis bombas, até as próprias continuações e spin-off dos mutantes, pela segunda vez derrapando na conclusão de uma trilogia com X-Men: Apocalipse (X-Men: Apocalypse, 2016). 

Os personagens de X-Men sobreviveram desde as fictícias ameaças de fim do mundo, destruição da civilização e viagens no tempo até os conflitos reais da crise dos mísseis em Cuba, assassinatos de presidentes americanos, traumas relacionados à Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria e, em caráter mais pessoal, aos dramas de serem considerados aberrações não bem aceitas na sociedade. Essa montanha de temas diversos nunca soou pretensiosa ou pueril, e o trunfo da série sempre foi a aptidão de assimilar toda essa incrível carga fantástica de maneira orgânica e muito realista, jamais careta, conquistando assim a simpatia tanto dos fãs de um bom blockbuster cheio de efeitos especiais como de minorias que se viram representadas nas histórias de cada um dos personagens. Mas, como nem tudo é perfeito, X-Men: Apocalipse sofre da “síndrome do terceiro filme” – aquela aparente maldição que acomete todo o capítulo final de trilogias no cinema americano (e reconhecida pelo próprio Bryan Singer numa brincadeira com O Retorno de Jedi durante a projeção). O tom épico de gran finale não corresponde à expectativa gerada e o que temos de fato é um filme morno e descaracterizado. 

A princípio, o plot do capítulo final é o mais ambicioso de toda a série. En Sabar Nur (Oscar Isaac), o primeiro mutante da história da humanidade, é uma espécie de ser eterno que ao longo das eras foi absorvendo os poderes e forças vitais de outros mutantes para se manter vivo e cada vez mais forte. Adorado como um deus pela civilização dos antigos egípcios, ele acabou preso num sono profundo dentro de uma pirâmide no Cairo, após um plano de sabotagem de seus subordinados. Agora, no século XX, anos 1980, ele é acordado e está disposto a extinguir a raça humana, crente da superioridade evolutiva dos mutantes, e para isso começa a montar sua tropa de seguidores, composta por Tempestade (Alexandra Shipp), Anjo (Bem Hardy), Psylocke (Olivia Munn) e Magneto (Michael Fassbender).  Do outro lado, o professor Charles Xavier (James McAvoy), Fera (Nicholas Hoult) e Mística (Jennifer Lawrence), adeptos do discurso de paz e boa convivência entre humanos e mutantes, reúnem seus melhores alunos e amigos para combater En Sabar Nur, entre eles Ciclope (Tye Sheridan), Mercúrio (Evan Peters), Moira MacTaggert (Rose Byrne) e Jean Grey (Sophie Turner). 

Apesar da história promissora, a execução acaba falha, começando pelos efeitos especiais de qualidade inferior em relação aos capítulos anteriores, com um uso desvairado de CGI e uma direção de arte brega. Tudo isso se mostra reflexo de dois problemas: a contaminação da saga pela forma de fazer cinema comercial atual e a perda do equilíbrio entre ação e drama. Muita correria, explosões, efeitos especiais alucinados de qualidade duvidosa e barulheira procuram forçar goela abaixo a ideia de um épico final, mas não são o suficiente para convencer quem quer que seja de seu pretensioso tom grandioso; em outras palavras, um filme qualquer. A partir desse primeiro impasse, a conseqüência é um trabalho sem peso dramático, em que pela primeira vez os conflitos pessoais dos personagens são preteridos em meio a um caos narrativo e visual. A grande sacada de toda a série sempre foi o fator humano dos mutantes, que os relegava à condição de meros mortais, tão problemáticos e errantes quanto qualquer pessoa comum e, justamente por isso, incapazes de se colocar num patamar superior da escala evolutiva. Serviam, no fim das contas, como metáforas que expunham os preconceitos da sociedade moderna, os erros consequentes da desigualdade social, os malefícios de Guerras e, no geral, um retrato certeiro dos tumultuados anos que formaram o século XX. 

Apocalipse surge então como uma nova peça nesse tabuleiro, carregando em si várias possibilidades de discussões teológicas e antropológicas, na forma de um ser todo poderoso que se vê no direito de decidir sobre a vida dos outros e que se enxerga como uma divindade a ser idolatrada. Seu despertar em pleno século XX depois de eras adormecido e alheio a tudo, levanta uma discussão sobre a visão imparcial e neutra do mundo moderno, seus governos, guerras, desigualdades, religiões, fome, injustiças, segregação, militarismo, racismo, violência, desamor. Diante disso tudo, En Sabar Nur só reafirma sua certeza de que o homem é sua própria ruína, incapaz de se governar, necessitando assim ou de um ser de força superior para dominá-lo ou da completa extinção.  No entanto, essa introdução incrível do personagem perde completamente a força conforme o filme se desenrola e ele acaba caindo de escanteio como um mero vilão desalmado e sem nenhuma profundidade ou nuance. Todo esse mundo de possibilidades que existe dentro de Apocalipse se esvai em uma composição padronizada. Claro que em um filme qualquer, é comum ver esse tipo de antagonista, mas na saga X-Men o embate sempre foi ideológico e clamou por personagens que lutassem por uma causa válida. Também prejudicados pela falta de inspiração do roteiro, Magneto, Mística e Xavier não conseguem completar os arcos dramáticos e as soluções morais acabam fáceis demais, redondas demais. Da mesma forma, outros como Jean Grey e sua habilidade de se tornar a Fênix perdem a lógica dentro da série, visto que nos filmes da primeira trilogia a personagem é muito mais velha e ainda não tem o controle absoluto sobre toda sua força como demonstrou aqui enquanto adolescente. 

O resultado desse confronto é a descaracterização parcial da identidade que a saga tinha construído tão bem até então, e o que decepciona mais é ver Bryan Singer, o diretor da primeira trilogia e do filme anterior, no comando. Se alguns momentos inspiradíssimos salvam tudo da catástrofe, como na sequência em que Mercúrio salva em câmera lenta todos os mutantes do Instituto Xavier ao som de Sweet Dreams, ou no resgate das origens de personagens como o Ciclope e a Tempestade, o todo é bagunçado e preguiçoso. A conclusão de tudo é que nesse universo das HQs/Marvel, os humanos precisam dos mutantes tanto quanto os mutantes precisam dos humanos, e nós aqui do outro lado da tela precisamos de filmes comerciais politizados e bem desenhados como os da saga X-Men, desde que estes não derrapem mais como Apocalipse derrapou agora. 

Comentários (3)

Pedro Henrique | sábado, 28 de Maio de 2016 - 12:48

Ótimo texto pra esse filme meia boca, concordo com praticamente tudo. É bem por aí mesmo, um filme meia boca de algum herói tosco aleatório é uma coisa, mas x-men sempre teve um potencial muito maior que boa parte das HQs, é muito decepcionante quando transformam num filme genérico.

Luís F. Beloto Cabral | domingo, 29 de Maio de 2016 - 11:39

Esse filme tinha um potencial muito grande. Eu gostei bastante da concepção do vilão: ao mesmo tempo em que ele possui aquele poder absurdo ele ainda é bastante humanizado, como se fosse uma figura dotada de certa fragilidade apesar da sua violência pragmática e da sua retórica sobre o direito dos mais fortes - e considerando que ele se torna uma espécie de guru religioso isso se torna ainda mais fascinante (o Oscar Isaac inclusive fez um trabalho interessante, contrastando essa insanidade quase caricata da personagem com uma voz cadente e um olhar sereno). No entanto eles não exploram essa ideia em todo o seu potencial ou com a sensibilidade que nós víamos nos filmes anteriores, e o mesmo desperdício se dá com outras tantas personagens. Um desperdício muito triste, infelizmente...
No entanto, amei o clímax com eles interagindo em equipe. Os X-Men sempre são mais legais quando trabalham juntos. E a Jean indo com tudo foi a cereja do bolo (adoro a Jean Grey)!

Chcot Daeiou | segunda-feira, 30 de Maio de 2016 - 20:30

Eu acho que a questão é bem essa que você colocou mais ao final Heitor, Apocalipse surge no início com um potencial muito grande para discussão do filme, havia algo muito forte ali desperdiçado, possibilidade de discussão antropológica com uma brecha forte para mexer na Grande História mesmo, com a insinuação da proposta de que todas essas grande 'entidades' religiosas seriam na verdade, X-MEN, e uma piscadela para teoristas de astronautas do passado e mesmo a credibilidade perspectivista de tornar crível essas mitologias passadas, mas o filme não é esse, o pior do filme é o sentimento nulo por aguardarmos e termos nos habituado a questões políticas quanto aos X-MEN... ficou parecendo um filme de arte vazio... os efeitos especiais são meio dúbios para mim, porque eles são quase que modernistas em sua didática porque revelam o ilusionismo por trás do ápice desse sensação de falso movimento... bem, esse foi um gibi desperdiçado dentro da saga...

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