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Críticas

Cineplayers

O tempo reescrito.

7,0

O discurso que começou a se desenrolar em X-Men - O Filme (X-Men, 2000), que cruza temas como o preconceito, a manipulação genética, a evolução darwiniana, e a atitude irracional do homem de atacar tudo o que lhe parece novo e ameaçador, foi aos poucos se concretizando e se politizando conforme a saga se desenvolveu. A base para isso foi aproximar os personagens o máximo possível da nossa realidade e assim tornar todo aquele universo absurdo em algo muito verossímil. Esse diálogo direto e ousado, que se iniciou com a inesquecível cena de abertura do primeiro filme, em que o pequeno Eric Lensherr manifesta pela primeira vez suas habilidades de manipulação de metais ao ser separado de sua mãe em um campo de concentração nazista, hoje está mais amarrado do que nunca com os fatos reais que definiram o século XX. Mas, se antes os roteiristas se contentaram em timidamente ligar acontecimentos históricos verdadeiros ao universo dos mutantes, em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (X-Men: Days of Future Past, 2014) eles vão além e se propõem a alterar momentos que definiram o nosso atual presente.

A princípio, para o espectador desavisado, pode parecer um tanto trash uma trama que envolva mutantes e viagens no tempo, mas temos de lembrar que o aprimoramento da série desde o ano 2000 pra cá permitiu a realização de uma obra de força inacreditável. Primeiramente, evoluíram (com o perdão do trocadilho) na produção, conforme os orçamentos foram aumentando, aprimorando nos efeitos especiais e sofisticando cada pequeno detalhe. Depois, os personagens foram ganhando uma lapidação cada vez mais intimista, e os roteiristas souberam aproveitar muito bem as nuances de cada um, e como isso influenciava diretamente no poder deles. Por fim, no maravilhoso X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011), a dramaturgia da obra foi expandida e finalmente o público teve acesso à gênese de cada um dos personagens originais (Professor Charles Xavier, Eric/Magneto, Raven/Mística, Hank/Fera). Ousado, o diretor amarrou fatos definidores da história do século XX, como a tensão da quase guerra nuclear envolvendo os mísseis de cuba, com o embate ideológico entre os seguidores de Charles Xavier, que prega a paz entre mutantes e humanos comuns, e os adeptos ao discurso de Magneto, que prega a dizimação da raça humana com base na suposta superioridade evolucional dos mutantes.

Sempre de fundo politizado, a saga X-Men discutiu temas de grande relevância, como o Darwinismo Social, e agora aposta na ousada proposta de reescrever a historia. Num futuro caótico, os Sentinelas – seres capazes de identificar as pessoas com o gene X para dizimá-los, projetados pelo Dr. Bolivar Trask – acabaram não somente com quase todos os mutantes, como também com os humanos comuns. Antecipando o que talvez seja o fim da vida inteligente na terra, Charles Xavier e Magneto superam suas diferenças e se unem para arranjar uma forma de salvar o planeta. Para isso, Wolverine deve voltar no tempo, com a ajuda dos poderes de Kitty/Lince Negra, para a década de 1970, e impedir Mística de matar o Dr. Trask, ato que desencadeou uma crise e obrigou o governo americano a aprovar o projeto Sentinela.

A escalação do ótimo elenco (é quase um milagre conseguir manter os mesmo atores numa saga que já rendeu 5 filmes no período de quase 15 anos), a competência em equilibrar tão bem as cenas de ação e luta com as de caráter mais intimista e filosófico, e a segurança do diretor Byan Singer no comando do espetáculo garantem, antes de tudo, um entretenimento de primeira. Se escorrega vez por outra em algumas cafonices inevitáveis dos filmes de super-heróis (o dedinho na têmpora e o cenho franzido de Charles Xavier ao usar seu poder continuam lá), na maior parte do tempo só prova que blockbusters nunca foram e nem precisam ser sinônimos de preguiça e superficialidade, como tantos associam levianamente.

O tom é de ‘gran finale’, uma trama capaz de finalmente cruzar os demais filmes anteriores e uni-los em uma única e apoteótica conclusão. A permissão que o diretor tomou com a História, lhe deu a oportunidade de manipular fatos como o assassinato do presidente americano John F. Kennedy (em que Magneto está envolvido) e, por incrível que pareça, tornou tudo ainda mais próximo de nós. Claro que hoje não existem Sentinelas aniquilando a raça humana, mas todos um dia já se perguntaram como seria o nosso atual presente se no passado as coisas tivessem acontecido de outra forma.

O fascínio diante da possibilidade de alterar a linha do tempo sempre foi inerente à raça humana, sendo o século XX a maior prova de que muitas vezes só conseguimos progredir com base no derramamento de sangue. Como seriamos hoje se não fossem as guerras mundiais, a Guerra Fria, os governos ditatoriais, as incontáveis mortes de pessoas inocentes, a intolerância com as minorias? Em suma, como seríamos se a paz tivesse reinado no lugar da guerra e se soubéssemos aceitar abertamente os que são diferentes de nós? Poder passear pelos passado e vislumbrar o futuro é algo fisicamente impossível, mas que esse novo filme dos X-Men nos sirva de noção de que a intolerância e a desunião só significam retrocesso, e que hoje poderíamos estar muito melhor se não fosse por isso. Mudar o passado só é possível na ficção, então nos resta lutar por um futuro do qual possamos esperar algo melhor, sempre tendo em mente que não é preciso ser um “mutante” para demonstrar qualquer tipo de evolução.

Comentários (15)

Luiz F. Vila Nova | domingo, 01 de Junho de 2014 - 08:25

Só uma ressalva, Willian Paulo:
- Os sentinelas não absorvem os poderes dos mutantes, mas adaptam-se a eles. Por exemplo, contra o Homem de Gelo eles aumentam sua temperatura a um nível absurdo para anular um possível contra-ataque. Com o gene da Mística eles podem utilizar todos os poderes mutantes contra eles.

Augusto Barbosa | segunda-feira, 09 de Junho de 2014 - 15:25

Com a Mística mais dúbia aqui, só eu senti saudade da Rebecca Romjin no papel? Porque, né, Lawrence pagando de perigosa não colou...

Vinícius Aranha | segunda-feira, 09 de Junho de 2014 - 20:13

A Romjin é definitivamente muito mais femme fatale, mas Lawrence ficou bacana também.

Jardel Fermiano | domingo, 12 de Outubro de 2014 - 18:26

SPOILER!

Alguém poderia me explicar o porque de a mística ter se passado por Major Stryker naquela cena final?

Para mim o filme poderia ter acabado quando Wolverine e o Professor se reconheceram no Instituto.

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