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Críticas

Cineplayers

Rimas visuais sobre o suicídio.

7,0
“O único discurso real sobre o suicídio é o de quem levou até o fim.”

Vinícius Gageiro Marques, ou como ficou conhecido posteriormente, Yoñlu, foi um desenhista e músico que, em 2006, cometeu suicídio para diversas pessoas assistirem através de uma transmissão via internet. Vinícius dialogava em fóruns na internet com diversos internautas anônimos sobre formas de tirar a própria vida, ato cometido pelo jovem de 16 anos ao ingerir monóxido de carbono, mas não antes de deixar seu legado: cerca de 60 canções gravadas pelo próprio em seu quarto, que revelavam uma personalidade artística melancólica e reflexiva.

Se desprendendo de qualquer pretensão inicial sobre o clímax que sela o destino de Yonlu, o diretor Hique Montanari deixa claro desde o início que Vinícius tirou a própria vida, e prefere respeitosamente lidar com a delicadeza do material que está em suas mãos, tão fácil de cair em armadilhas maniqueístas, mas sem deixar de lado sua própria construção visual sobre a jornada do garoto quanto por deixar que a arte que Yonlu deixou para o mundo respire dentro do filme que reconta sua própria história.

E como um projeto notavelmente pessoal para ambos, Montanari e Thalles Cabral, intérprete de Vinícius, investem num trabalho de direção e composição de personagem extremamente sóbrio, respeitando o peso do conflito de algo tão avassalador quanto o ato de tirar a própria vida. Diante de tanta sobriedade, o filme se vê condenado a uma certa distância ao se esforçar (acertadamente, diga-se) em fugir de qualquer julgamento reducionista que banalize a complexidade psicológica do caso, e nisto, o filme se torna mais introspectivo do que realmente lhe era necessário enquanto forma cinematográfica.

Não que Yonlu deixe de lado os tantos sentimentos que podem levar até a saída de tirar a própria vida, entre angústias pessoais, solidão, Montanari faz uso de recursos bem pouco convencionais para o estabelecimento do tom de sua narrativa, (embora nem todos os elementos sejam tão consistentes assim), e transforma o quarto de Vinícius, por exemplo, numa espécie de ambiente que se mescla dentro do universo próprio de Vinícius, denotando que aquilo é um cenário cinematográfico se adequando entre a realidade e a fuga da mesma. Igualmente, as ideias visuais para a comunicação com o sofrimento do personagem (Yonlu vestido com roupa de astronauta, em especial no seu monólogo final), como a apropriação dos desenhos que Vinícius para criar animações próprias, traduzem com eficácia e sem dizer muito o sofrimento daquele garoto, e como sua válvula de escape se fazia nas músicas que compunha e que ilustravam tanto seu pesar com a vida. Da mesma forma, Montanari acentua o não-pertencimento do público no cotidiano de Yonlu (e dessa forma, gerando o desconforto necessário para o tema) ao elaborar enquadramentos e jogos de iluminação (num trabalho excepcional de Juarez Pavelak) que se confundem com as distorções digitais que criam uma temporalidade fluída para a narrativa.

E talvez pelo desejo de ser o mais claro possível sobre a tragicidade de Yonlu de forma poética, Montanari por vezes se entrega a um didatismo que não se alia com sua própria construção, como os títulos de cada música surgirem insistentemente na tela antes de cada animação onde a mesma será ouvida, assim como os trechos envolvendo o psiquiatra de Vinícius, que mais se assemelham a linhas de diálogo escritas com frases prontas, sem muito tato, e que ameaçam quebrar o intimismo da da narrativa. Felizmente, isso não acontece, e num belo êxito, Montanari e um muito centrado Thalles Cabral preferem deixar as perguntas e justificativas no ar e se mantém juntos a Yonlu, observando empaticamente (e com a distância já mencionada) o caminho de uma pessoa até a morte.

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