Vamos tirar o cinema do quarto de brinquedos, já disse um filme qualquer de Sganzerla. E a obra de Sokurov é exatamente isso: Anda a partir da grande brincadeira que é (Encenação contínua sem cometer o pecado de ser teatro filmado) e se aventura pela casa toda, parando de vez em quando para examinar alguma pintura na parede. Sem mais trocadilhos infames, Arca Russa tem uma utilidade dentro da sétima arte não muito maior do que a maioria dos filmes daqueles que tem a oportunidade em dizer tudo que precisa, sem desmerecer nada em relação a esse belo e inspirado quebra cabeças de significados tão amplos quanto o palácio sem fim que passeamos, graças à curiosidade do artista, no mínimo bipolar, que aqui se transforma com sua lente subjetiva no seu próprio público. Coisa de louco, mas não é da loucura que a maioria do caráter genial dos outros nasce? Em Arca Russa, temos a oportunidade de sentirmos esse caráter em nós mesmos. Somente por isso essa já seria uma experiência digna de prestação. Experiência rica e mesmo assim de fácil acesso, cortesia do diretor.
Mas nas palavras deste escritor, fazendo em 1° pessoa essa análise tal qual o filme que investiga, Arca Russa é a personificação impecável do que vem a ser a maior qualidade de um legítimo artista: A libido incorruptível de criar. Da coragem que é preciso ter no mundo real para realizar obras de ficção! Arca Russa é pretensioso pois é um feito raro; e tudo no bom sentido, que fique claro. Desde a metalinguagem que pode ser, ao espírito intruso que vagueia pelas personagens em várias condições mistas e conectadas num mesmo cenário às vezes bem, às vezes mal iluminado, fato é que o fio condutor parece ser do começo ao fim envolto pela ambição sensorial acima do bem e do mal, o desejo em ser uma celebração, técnica à primeira vista, contudo sensorial como consequência terminal.
Celebração do que, o leitor me pergunta. As respostas vêm do próprio filme; ou pelo menos do que cada um consegue extrair em prol de refletir. A democracia é a filha do relativo, Arca Russa já indica, dando-nos tal dica antes de retornamos ao quarto de brinquedos, aposento cheio de baús abertos que acaba sendo aonde o Cinema guarda a própria alma.
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