Se você nasceu dos anos 1990 em diante, salvo incomuns e bem-vindas exceções, é possível que o mais marcante vampiro do cinema em sua memória seja o vergonhoso Edward, da saga Crepúsculo (Twilight, 2008, EUA). Embora eu tenha visto apenas o primeiro filme, que pela baixíssima qualidade me poupou a perda de tempo com as sequências, não há como ignorar o fato de que a história machista e romântica de Stephenie Meyer foi um fenômeno que colocou os sugadores de sangue em evidência novamente. Entretanto, é uma pena que Bella e sua trupe sejam as mais famosas representações dessas criaturas nos últimos 18 anos.
O frenesi causado por Entrevista com o Vampiro (Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, 1994, EUA) no início da década de 1990 foi menor, mas a qualidade do filme não tem comparação. O longa é um exemplo de adaptação bem-sucedida de livro (li na tradução de Clarice Lispector), traz uma bela atuação de Tom Cruise (a partir da qual passei a respeitá-lo como ator) e representa com a devida complexidade essa figura sobrenatural. Dois anos antes, porém, o público já tinha sido brindando com um outro bom longa sobre os sugadores de sangue. Drácula de Bram Stocker (Dracula, 1992, EUA), dirigido por Francis Ford Copolla, conseguiu trazer os elementos sombrios do livro de Bram Stocker – daí o título nacional do filme – para compor o terror cinematográfico. Entre os anos 1990 e os 2010 muito do gênero foi feito, mas poucos ficaram na memória. O sueco Deixe Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2008, Suécia) é uma menção bastante honrosa que, pela boa repercussão, ganhou uma versão hollywoodiana, menos boa, mas ainda assim interessante.
A presença constante dos vampiros na telona pode ser justificada pela dramaticidade praticamente inesgotável que pode ser extraída da mitologia que envolve uma criatura que vive do “canibalismo”. A psicologia por trás dessa dicotomia não passou despercebida por Freud e Jung, por exemplo. Resumidamente, para esses autores, a essência do vampiro é ser algo entre o humano e o não-humano que, por alguma razão, perdeu o contato com a fonte de vida dentro de si e, assim, precisa predar outros. Esse apetite pela vida seria um instinto tão forte que resisti-lo é uma perspectiva ainda mais aterradora. Trata-se do arquétipo da pessoa que drena a energia de outra. Todos nós conhecemos alguém assim.
Situado em um tempo anterior a todos os longas mencionados, e guardando uma distância respeitável do clássico Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, 1922, Alemanha), encontra-se Fome de Viver (The Hunger, 1983, Reino Unido) que, em 2013, completa 30 anos. À época de seu lançamento o filme fracassou com crítica e público mas, anos depois, reavaliado, foi considerado à frente de seu tempo e ganhou um respeitoso, porém tardio, lugar entre os “filmes cult”. O reconhecimento é devido ao cuidado que o diretor Tony Scott (irmão mais novo de Riddley Scott) teve em cada frame, todos cuidadosamente planejados, belamente fotografados e harmonizados com uma trilha sonora que contribui para acentuar o clima de suspense gótico. A estética é vanguardista e o figurino, especialmente o da diva Catherine Deneuve, é a expressão daquilo que foi (e viria a ser) moda nos anos 80.
Fome de Viver atualizou e embelezou a imagem do vampiro, antes majoritariamente antiquada e monstruosa, depois sofisticada e bela. Além disso, se não estabeleceu, consolidou alguns recursos narrativos. Por exemplo, as fusões de imagens e o paralelismo entre cenas são ferramentas linguísticas também usadas em Drácula de Bram Stocker para retratar poderes hipnóticos. O homoerotismo, que no filme de Scott tem seu ponto alto na cena de sexo entre as personagens de Deneuve e Susan Sarandon, volta a aparecer com força em Entrevista com o Vampiro (embora a sensualidade seja uma constante em todas as obras). Sem falar que a construção dos personagens de Deixa Ela Entrar (o predador aparentemente inofensivo, o amante iludido, a nova vítima), guardadas as devidas proporções, são bem semelhantes.
O fato é que a maioria dos filmes com vampiros tem mais a contribuir para a história atemporal de promessa de amor eterno e de medo da morte do que Crepúsculo. Fome de Viver, especificamente, embora não figure entre os mais famosos, é um dos que melhor capta a crise do existencialismo shakespeariano que cai tão bem a esse gênero. O longa, já um balzaquiano, é obrigatório para quem gosta não só desse subgênero de terror, mas para quem gosta de cinema.
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