O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras (Le Hussard Sur Le Toit, 1995) é uma obra que vai à contramão dos filmes de época europeus. Cheio de referências e até com pitadas de humor, o filme pode ser classificado como um road movie no século XIX. Contando com Juliette Binoche, que recém havia se destacado na trilogia das cores de Krzysztof Kieślowski, o filme passa pelo romance, comédia, aventura e até alguns momentos fantasiosos.
Durante a revolução italiana, – interessados no assunto devem ver O Leopardo (Il Gattopardo, 1963), de Luchino Visconti – o jovem Angelo Pardi (Olivier Martinez) é traído por um de seus amigos revolucionários e perseguido por mercenários. Ele consegue fugir para o interior da França, onde se depara com uma onda de cólera que devasta vilarejos inteiros. Numa noite de temporal, ao se refugiar em uma casa que parece abandonada, ele conhece Pauline de Théus (Juliette Binoche), uma marquesa que o acolhe e lhe dá comida e água. No outro dia, porém, quando Pardi acorda, a jovem marquesa já não está mais ali. Ele segue seu rumo de volta à Itália e a reencontra na estrada. A partir daí eles seguem juntos, fugindo de oficiais, que querem colocar todos em quarentena para evitar que a cólera se espalhe; e encontrando outros personagens que buscam sobreviver em tempos de caos.
Pardi é um jovem coronel que teve seu título militar comprado, nunca participou de uma guerra e pelo que se nota nas entrelinhas, nunca viveu uma vida de aventura. Essas informações, porém, são revelados apenas durante algumas conversas que ele tem com quem encontra pelo caminho ou cartas que escreve para sua mãe. Se formos levar em conta o começo do filme, temos a impressão de que ele é um jovem aventureiro acostumado a esse tipo de situação, pois briga bem, corre a cavalo com destreza e é muito esperto na arte da fuga.
Pauline é uma jovem corajosa. Membra da nobreza, ela permanece na cidade atacada pela cólera. Enquanto os outros nobres se refugiam em seus castelos, temendo a doença, ela segue seu rumo por motivos especificados posteriormente no roteiro. Deste modo, estes arquétipos clássicos, o casal de opostos, são revigorados com uma roupagem mais profunda. Pauline é corajosa, mas ainda assim carrega preceitos de uma mulher da nobreza, enquanto Pardi é um organizado soldado que apesar de nunca ter participado de uma guerra, se demonstra muito preparado para ela.
O roteiro, adaptado do romance de Jean Giono, é dividido por Jean-Paul Rappeneau, que também dirigiu o filme; Nina Companéez, roteirista francesa com vasta experiência; e o mais célebre desse trio, Jean-Claude Carrière, conhecido pela parceria de longa data com Luis Buñuel e por ser também um dos principais estudiosos de roteiros europeus. Dessa forma, o romance e cumplicidade que surge aos poucos entre os protagonistas ganha contornos naturais, bem como o pano de fundo, a cólera, e a fuga dos transeuntes que passam pelo caminho dos protagonistas.
As referências no filme são outro ponto de destaque. Dois elementos se sobressaem principalmente, uma no enredo e outra no visual. De certo modo, o pano de fundo da cólera complicando – e dando força também, por que não? – ao amor do casal protagonista lembra o enredo do clássico O Amor Nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez. Já em aspecto visual, o destaque é das paisagens campesinas no interior da França, com uma fotografia que faz referência às telas de Vincent Van Gogh e Paul Gauguin, pintores pós- impressionistas da época.
Por ser um filme de época que ao mesmo tempo é sério, mas não abre mão de rir de si mesmo, O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras vale a pena ser visto. Sua veia de aventura, que lembra até alguns clássicos da Sessão da Tarde como A Princesa Prometida (The Princess Bride, 1987) e História Sem Fim (Die Unendliche Geschichte, 1984), traz vida ao filme, para que ele não se torne carregado em meio ao pano de fundo pesado da história. Justamente por respirar esse ar nostálgico, O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras deve agradar a espectadores de todas as idades.
*Texto escrito originalmente para o blog cinealphaville.wordpress.com
Valeu😁
Muitos filmes que o Gian comenta, ou eu não vi ou vi faz tampo. De uma forma ou outra, ele sempre contribui para meu enriquecimento cinematográfico, pois conheço obras - como esta - que antes desconhecia, e refresco minha memória com lembramças de filmes que já havia esquecido. E sim, o texto, pra variar, está ótimo. Parabéns, Gian.
Valeu, cara. Fico feliz em contribuir.
Excelente sinopse deste maravilhoso filme! Desde que conheci, na década de 90, vejo e revejo várias vezes. É simplesmente lindo!❤