Nazarin (idem, 1959) era um dos filmes favoritos do falecido diretor Luís Buñuel. Curiosamente, faz parte da lista de seus filmes não tão célebres. Talvez por estar no momento de sua filmografia onde ele se desprendia do surrealismo – cabe destacar aqui que não há nenhum traço do estilo nessa obra –, e partia para uma narrativa mais naturalista. Rodado no México, Nazarin faz parte do momento em que Buñuel se mudou para o país latino-americano e começou a dar voz às questões sociais e históricas daquela nação, sempre abordando a pobreza e aristocracia.
Padre Nazário (Francisco Rabal) vive em uma pequena vila miserável, onde consegue sustento com o dinheiro de algumas missas que dá, dinheiro esse que ele geralmente repassa aos menos (ou mais) afortunados. Quando a prostituta Andara (Rita Macedo) chega à sua casa ferida por uma briga com a prima, que ela matou, o Padre lhe dá abrigo e a esconde. Indo contra lei dos homens para seguir a lei de Deus, Nazário tem sua vida cada vez mais julgada e condenada pelos semelhantes.
Nazário é o exemplo de cristão ideal que Jesus de Nazaré pregava. Dá tudo que tem aos outros, não julga o próximo e assiste todos como pode. Em troca recebe ofensas, se aproveitam de sua boa fé, o passam para trás de todas as maneiras possíveis e até o roubam. Ele responde a tudo com perdão. Toma o tapa e dá a outra face. Apesar de se tratar de Buñuel, o personagem do Padre é um retrato duro e não irônico.
Com uma câmera que sempre parte de um plano mais próximo para um mais aberto, revelando o personagem em meio ao cenário em que está, mostrando sua relação ao mundo que o cerca, Buñuel compõe um México campesino e capenga, assolado pela pobreza. As imagens, em sua maioria, são em movimento, localizando o espaço do cenário. A paisagem lembra muito os filmes do Cinema Novo, que retratavam o sertão brasileiro. Esse paralelo entre México e Brasil é visível também em outros momentos, como a cena em que o marechal cobra respeito ao trabalhador que passava pela estrada com o seu burro, um traço de cangaço no Norte da América Latina.
Nazarin traz o retrato do México pobre e supersticioso, como se tivesse parado no tempo. As semelhanças entre o padre e Jesus são constantes, assim como o paralelo abordado entre a cidade mexicana miserável e a própria Nazaré. A vila pobre, onde as pessoas recorrem às mais diversas superstições e praticamente ignoram a medicina, é um local parado no tempo, que desconhece os avanços da ciência.
Buñuel sempre alfinetou o cristianismo de modo irônico e até extravagante. Certa vez, perguntado se era ateu, ele respondeu que “sim, graças a Deus”. Em Nazarin Buñuel evoca o tipo de cristianismo que parece em carência hoje em dia. Em tempos onde o cristão mais julga e condena do que perdoa o próximo, Nazário é um tipo que faz falta. Não por ser bom, mas sim por ser justo, por querer apenas ajudar seus semelhantes e buscar o bem de todos. Por outro lado, Buñuel também está longe de ser um ingênuo e é através de Nazarin que mostra que um cristão desses não tem espaço em nossa sociedade, ainda mais se cercado por outros cristãos.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Texto espetacular! Confesso não ter assistido esse, mas sendo do Bunuel, preciso correr atrás.....
Valeu, Cristian.
Esse eu vi no canal Futura mesmo, qualquer dia deve reprisar. Não é tão famoso quanto os outros filmes do Bunuel, mas vale muito a pena de qualquer forma.