O melhor filme dos anos 1980, o melhor filme sobre boxe, um dos melhores filmes sobre o sofrimento humano.
Martin Scorsese e Robert De Niro já pensavam em adaptar a biografia do pugilista peso-médio Jake LaMotta há muito tempo. Até que chegou o dia em que o ator disse que esse trabalho teria tudo para ser o melhor da vida de ambos. E assim foi.
Assim que foi lançada, a obra-prima deixou muita gente impressionada, investindo no ciúme como a condição devastadora do ser humano e realizando um estudo pra lá de complexo da mente humana. Jake foi campeão dos pesos-médios nos anos 1940, um fenômeno do boxe que que não possuía estratégia alguma, apanhava ou batia em quantidade imensurável, mas isso dependia de sua relação com a mulher Vickie, por quem era exageradamente obcecado.
Alguns podem até dizer que não é necessariamente um filme sobre boxe, mas não tiro a razão de quem defende essa opinião, visto que a história puxa mais pro lado de sua insegurança, agressividade e absurda baixa-estima, chegando a deixá-lo paranoico. Quando alimentava seu sentido de auto-destruição não sabia se controlar. Dentro dos ringues, ele expiava todos os seus problemas particulares. Um homem totalmente impulsivo, instintivamente auto-destrutivo, sem habilidade com mulheres e autoconfiança. Por conta disso, não destruiu somente inúmeros oponentes, acabou com a própria vida e das pessoas que mais amava, como seu irmão e empresário Joey(um fantástico Joe Pesci) e, óbvio, sua esposa Vicki.
Ambientado na década de 1940, "Raging Bull" só poderia ter sido realizado 30 anos após. O tratamento dado por Scorsese à violência na tela de cinema vai além do real, se torna poético. Na época não se tratava do tema hiper-realidade no cinema; Scorsese inovou. Filmou as cenas de luta fazendo com que seus boxeadores sejam banhados a sangue, um exagero(acertado) na pancadaria, realçando os murros dados com ruídos de vidro sendo esmagados. Além de fazer com que seus personagens falassem com a rudeza e a agressividade das ruas do submundo, transformando o longa em desbocado e sujo.
O sangue escorrido em câmera lenta dos lutadores quase cai no piso da minha sala. A oscarizada montagem é antológica, tirando o máximo proveito das técnicas de vanguarda para expressar os sentimentos de Jake e controlar o tempo - o protagonista pode levar um soco que dure vários segundos ou levar vários em apenas um - e o espaço - o tamanho do ringue varia de acordo com a agressividade de La Motta, quanto mais irado estiver o personagem, maior é o tamanho do ringue. O som desaparece toda vez que Jake se "desliga" dos combates; o ringue se apequena, tudo fica turvo e a imagem rodopia. Já se La Motta está enfurecido, o ringue ganha tamanho, a imagem trepida e a plateia urra, acentuando a selvageria das lutas.
Scorsese optou por filmá-lo em preto e branco em função desse hiper-realismo das cenas de confronto corporal, e que acabou contribuindo para imortalizar o clássico.
O longa foi unanimamente elogiado e arrebatou dois Oscar, um para a inigualável montagem e outro para o homem que se consolidou de vez como um dos principais atores de Hollywood, já havia atuado monumentalmente em "O Poderoso Chefão: Parte II", "Taxi Driver" e "O Franco Atirador", mas aqui ele viveu o ápice de sua carreira, se entregando 100% ao papel e a sua amizade com Martin Scorsese, engordando 27 quilos para fazer a versão aposentada de Jake LaMotta, quando se torna um apresentador de shows de strip-tease, mas sem deixar de ser patético. Robert De Niro foi um dos fatores do sucesso da obra de arte.
Está aqui mais uma obra que fez o cinema ser conhecido como o veículo artístico do século XX, uma obra que consagrou de vez a dupla Scorsese/De Niro e que é atual trinta anos depois e que continuará viva nos próximos trezentos anos.
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