Como surpreender o público com um filme que todos já sabem o final? A resposta está na brilhante execução de Faroeste Caboclo (2013) e nas escolhas e mudanças do diretor René Sampaio. Quem nunca ouviu a música (o que é bem difícil) irá se divertir e se emocionar com a jornada de um anti-herói. Os fãs terão uma experiência fantástica de reconhecer a música de Renato Russo nas cenas do filme. Tudo bem que os fãs mais xiitas podem não gostar das alterações e inserções feitas pelo diretor, mas todas são compreensíveis. Estamos em outra mídia e em uma época e uma sociedade diferentes. Nem todas as críticas sociais e políticas feitas por Renato Russo naquela época fazem sentido atualmente.
Assim, João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) não foi aplaudido pelo público que afirmava que ele “era santo porque sabia morrer”. Esse Santo Cristo permanece no anonimato, sem nenhum momento de glamour. Esse Santo Cristo está em sua luta pessoal para vencer todas as barreiras e ser alguém em um lugar novo (e não “falar com o presidente pra ajudar toda essa gente”). Essa é uma história mais introspectiva e trágica, onde o drama do personagem central é muito maior, seu sofrimento na cadeia é mais demorado e mais cruel e, no fim, só resta o vazio e o silêncio.
O filme, extremamente realista, denuncia as diferenças sociais e raciais que ainda são tão presentes em nossa sociedade, mesmo que muitos tentem negá-las. Isso fica nítido na cena em que Maria Lúcia descobre que ele está vendendo drogas. Após uma discussão ele argumenta que vende drogas porque os playboys compram, enquanto ao fundo o que se ouve são os versos de “Até quando esperar”, da Plebe Rude (com tanta riqueza por aí, onde é que está? Cadê sua fração?). Santo Cristo está apenas atrás da fração que lhe diz respeito.
Outras alterações foram muito felizes, como a apresentação de Maria Lúcia (Ísis Valverde) e Jeremias (Felipe Abib) acontecer ainda no início do filme, o que permite um desenvolvimento muito mais profundo desses personagens e das relações entre eles. O romance de Maria Lúcia e Santo Cristo é muito denso e bem construído e a “traição” da mocinha faz muito mais sentido.
Outro ponto muito positivo é o filme manter-se fiel à história da música sem, contudo, ser uma cópia descarada. O espectador reconhece as passagens da letra da canção de Renato Russo, mesmo que as cenas sejam muito sutis. As frases da música não são repetidas, o que, a meu ver, aumenta a fluidez do filme. Assim, é muito interessante que esse Santo Cristo não fale a famosa frase filosófica do final da música, mas mesmo assim ele “não atira pelas costas” e dá os “cinco tiros no bandido traidor” (e cada um é devidamente contado por todos no cinema).
Finalmente, as atuações do elenco. O trio central da trama é simplesmente fantástico. Totalmente entrosados, muitas vezes apenas os olhares já nos dizem muita coisa e completando, César Troncoso interpreta brilhantemente o traficante Pablo, que tem até alguns momentos mais cômicos. Um filme excepcional, muito bem idealizado e executado que dá orgulho ao cinema nacional.
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