Rear Window: Uma análise subjetiva
Um fotógrafo (James Stewart) que sofreu um acidente e está confinado dentro de seu apartamento por semanas com a perna engessada. Sem muito que fazer, ele se entretém observando seus vizinhos, até desconfiar que um assassinato tenha ocorrido em um dos lugares. Com a ajuda de sua namorada (Grace Kelly) e de sua enfermeira (Thelma Ritter), ele vai tentar de tudo para provar que está certo.
Esse suspense do renomado Hitchcock, de 1954, possui a premissa ideal para traçar um panorama da sociedade, com suas pequenas histórias paralelas. Ainda nota-se uma quebra inovadora em alguns padrões de linguagem cinematográfica, desenvolvendo personagens complexos e bem “humanos”, omitindo fatos cruciais para atrair o interesse e metaforizando o cinema de forma única, com um reflexivo trabalho em cima do voyeurismo no âmbito social. O suspense leva bastante para o lado psicológico e suas personagens e atitudes ajudam muito nas referências e estudos das relações sociais e na subjetividade impregnada em nosso cotidiano até hoje, tornando a obra ainda atual e contemporânea.
Por ser um clássico moderno, o filme tem um alcance amplo em sua recepção, ainda mais por suas qualidades já mencionadas. Pode-se até dizer que quem ama cinema, vai pelo menos gostar de “Janela Indiscreta”. Isso se dá pela estrita e forte relação do filme com a sétima arte. O público que mais se associa a essa área seriam os adultos de classe média para cima, por motivos de acesso e gosto. A maneira como o filme atinge cada um dos indivíduos é a grande sacada, em um belo exercício de metalinguagem. A plateia só vê e sabe o que o protagonista vê e sabe, aproximando muito a identificação com a curiosidade obsessiva do fotógrafo Jeffries. A janela de seu apartamento torna-se uma representação da tela de cinema, confinando o público igualmente na sala, que junto com as personagens tentam encontrar os segredos de um filme que não se mostra por completo (o que acontece dentro do apartamento do “assassino”). Sem contar que a influência da mídia expositiva na sociedade só realça a vontade da maioria de querer saber tudo sobre a vida dos outros. O próprio cinema faz parte dessa influência, por isso a temática é bem endereçada e abordada. O mistério constante construído por Hitchcock também merece uma menção pela sua tamanha capacidade de envolver e prender o a atenção.
Como já foi dito, o filme consegue escapar de certos padrões normativos sociais e cinematográficos, expondo fatos presentes nos ideais do dia a dia e fazendo críticas não tão explícitas ao modo como isso afeta no subjetivo. Não está nítido, mas é reconhecível. O uso do voyeurismo é o maior exemplo. Não é algo considerado ético, porém é constante na vida e sempre é utilizado de maneira subjetiva. O preconceito é grande consequente dessa atitude. No filme, a maioria dos acontecimentos que decorrem nos outros apartamentos são propensos a um juízo inicial que, ao término, revela-se errôneo. E essas mudanças alteram a visão e interpretação de Jeffries. Outro ponto chamativo é a concepção de gênero no filme. O protagonista masculino tenta manter sua pose de forte, imponente e sábio, característica de vários homens heróis do cinema, mas não consegue pela sua deficiência. Ele é debilitado, impotente e carente, diminuindo imensamente sua figura de poder. Já a visão feminina, apesar de perpetuar seus padrões de beleza e um nível considerável de submissão, adquire a imagem de controle e sobreposição da situação, mostrando que há opinião e audácia por parte delas. A namorada de Jeffries, Lisa, é a exemplificação ideal disso. Perdidamente apaixonada por ele, é ela quem toma partido em vários momentos. Ela tem personalidade forte, é inteligente, culta, linda e emotiva. É a mulher moderna vista como a mulher perfeita. Lisa faz o que Jeffries não pode ou não tem coragem de fazer. Tudo isso faz parte da grande quantidade de subjetividade que é emitida e absorvida na sociedade e o filme trata de simbolizá-la. A enfermeira Stella é a representação cômica e irônica dessa sociedade do espetáculo, sempre em busca do impacto e da novidade, fortemente influenciada pela mídia e a notícia, curiosa para saber mais detalhes ou até mesmo imaginar as imagens mais fortes para sair do tédio de sua vida comum. Não só ela, mas todos possuem seus tipos de desejo, que acabam por se realizar em parte, ou simplesmente mantém-se no campo subjetivo. Seja Jeffries querendo voltar à ação, Lisa e suas tentativas de ter seu amor correspondido ou a enfermeira mostrando que está certa sobre o pensamento dos outros, muitos desses elementos estão presentes na mente dos espectadores. O cinema é a representação desses desejos internos sendo realizados pela ficção, mesmo que temporariamente. Em “Janela Indiscreta”, não há uma realização por completo. Desde o começo, ele pega esses desejos e os joga na cara do espectador, torturando-o com suas intenções, às vezes maliciosas.
Alfred Hitchcock é o diretor para quem quer explorar e refletir sobre essas psicologias. “Festim Diabólico” (Rope, 1948), “Um Corpo que Cai” (Vertigo, 1958), “Psicose” (Psycho, 1960), “Os Pássaros” (The Birds, 1963) entre tantos outros são belos estudos desses e outros fatores influentes na nossa subjetividade. “Janela Indiscreta” pode ser o que mais mexe com o inconsciente, omitindo muitas informações, que ficam à cargo do público interpretar. Isso só ganha mais com o trabalho técnico feito em cima. O som é raso, sutil e misterioso. A fotografia é distante, de um colorido enfático e detalhista. Toda a história e seus subcontos são muito bem remendados para a construção de um thriller com ritmo e mistério de sobra, em uma enorme brincadeira com a moral social e os estereótipos da vida.
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