Shyamalan narra seus filmes como avô contando a seus netos histórias fantásticas, mirabolantes, mas que, por algum motivo, parecem ser perfeitamente críveis. O cinema do indiano traz essa sensação de fábula de horror, mesmo quando toda a atmosfera sobrenatural está ligada a uma realidade absolutamente palpável, com personagens típicos do dia a dia. Foi com esse encontro de “dois universos”que ele trouxe o drama de um garoto que podia ver fantasmas ou mesmo de um guarda de segurança qualquer que se descobre um super-herói; por mais fantasiosos que pudessem ser enredos, entramos e acreditamos, nem que durante um instante, naquela situação, já que, nos é apresentado um fenômeno que toca num universo que confiamos ser o real: com pais e filhos não conseguindo se comunicar direito, com pessoas tentando se encontrar o seu lugar neste mundo e com outras conseguem ajudar terceiros, mas são incapazes de salvar o próprio casamento.
Seguindo essa mesma linha e adentrado ainda mais na idéia de história fantástica, Shyamalan tenta fazer em A Dama na Água uma compilação das fórmulas as quais seu cinema sempre se valeu, com o adicional de ilustrar duma vez sua maneira de contar histórias, desenvolvendo-as naquele tom citado a princípio, como o de quem narra uma lenda em volta de uma fogueira, esperando os olhos arregalados e o sabor pela ilusão. Como já disse em entrevistas, o plot aqui partiu de um conto de ninar para seus filhos, e esse “acabamento infantil” pode ser notado com o próprio desenrolar dos eventos, já que, da própria criatura que dá nome ao filme aos inimigos que a perseguem no mundo dos humanos, há uma pincelada de folclore misturado com conto de fadas – por mais estranha que essa junção possa parecer. Tudo é propositalmente soft, e chega até ser irônico que, justo nessa obra, a Disney tenha desistido de produzir os filmes de Shyamalan, como fizera até 2004.
Mas como poucos diretores hoje entendem tão bem quanto o indiano como se construir um autêntico clima de suspense, alguns momentos esporádicos nos fazem recordar que quem está por trás daquilo tudo é o cara que realizou obras do porte de O Sexto Sentido e A Vila, para citar os primeiros exemplos que me vêm à mente. O fato é que A Dama na Água, mais que qualquer outro filme de sua carreira, necessita duma entrega total do espectador, que ele mergulhe de cabeça na proposta, e Shyamalan, que tinha como objetivo aqui por a realidade contra a imaginação, deveria tomar consciência dos riscos e saber que sua história era, no mínimo, difícil de embarcar por completo. Primeiro porque não se sabe ao certo o que ele pretende com aquilo, não se sabe se é um atestado de sua carreira, dos truques e fórmulas que se tornaram tão famosas em seu cinema, ou se é uma vontade pessoal de subverter tudo que havia construído até ali, de ser o homem dos “finais-surpresa” ou aquele que mistura a fé e o homem dentro de um mesmo contexto. Afinal, não vamos nos esquecer que foi justamente nesse período que o diretor declarou uma verdadeira guerra à crítica e uma apologia à liberdade de criação.
E eis uma coisa que fica acesa aqui o tempo todo, e que Shyamalan, sabiamente, não deixa ser ofuscada: a criatividade artística. Por mais que a história que move A Dama na Água seja ao mesmo tempo simples e um tanto ousada, o direto sempre faz valer seu papel de realizador, já que do roteiro ao excelente trabalho com as câmeras, tudo ali veio da mente dele e é responsabilidade exclusiva dele. Ele atesta de uma vez, como já tinha ficado um pouco nítido em A Vila, que pouco importa o olhar externo sobre seus produtos, haja vista que o que realmente lhe interessa é poder transmitir alguma coisa com isso, sejam as mensagens edificantes sempre presentes ou alguma análise social compreendida nas entrelinhas. Infelizmente, o mundo fantástico que ele construiu dessa vez não rendeu bons frutos, mas já é válida a ousadia de comprar briga e poder contar uma história em detrimento de quaisquer fatores prosaicos (entenda-se bilheterias, marketing, etc). Quisera que os diretores de Hollywood também seguissem esse exemplo.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário