Para quem, como eu, não dava tanta bola para um filme como O Exorcismo de Emily Rose, possivelmente deve ter se visto surpreso com a competência (pelo menos, inicial) com que aborda um tema tão saturado, sem soar gratuito e, o que é mais importante, bastante seguro de si mesmo – em parte do tempo. O que, a julgar pelas baixas expectativas, não parecia se distanciar muito daqueles anódinos produtos do cinemão de terror que tentam pregar sustos com um rompante na trilha ou uma técnica muito da mal feita (como foi o caso de Exorcista - O Início), se revelou um trabalho de ideias e momentos muito interessantes.
O antigo embate entre a ciência e a fé está de volta (através das respectivas figuras da advogada agnóstica e do padre fervoroso), mas não deixa de ser uma bem-vinda surpresa que esse filme que chegou de fininho em 2005 arrisque em dar outra perspectiva sobre o documentado caso da moça possuída, agora não mais pelas sessões de exorcismo com direito a vômitos e cabeças entortadas, mas através de um tribunal, onde um padre convicto de suas experiências é desafiado perante uma corte cética e impassível. Tudo bem que principalmente no cinema norte americano, esse ângulo judiciário não é nenhuma novidade, tampouco as discussões propostas, muito embora as montagens paralelas entre o passado (inicio das atividades demoníacas) e o presente (o julgamento do sacerdote) ajudem a reforçar o fundo mais humano que a produção, obviamente, pretende alcançar – mais importante que o desfecho é seu desenrolar.
Assim, o filme caminha bem até intensificar o martírio da jovem, a partir daí, a tentação de apelar para os recursos rasteiros dos filmes de terror fala mais alto, e a segurança a qual havia me referido acima é soterrada pela cartilha que O Exorcismo de Emily Rose passa a obedecer. Já dá para imaginar o gosto duvidoso de algumas cenas, que alternam entre a sequência com a moça fugindo das pessoas que agora enxerga como deformadas (por influência da possessão), e a que ela é flagrada fazendo sua nova refeição com insetos. O propósito infantil de chocar a todo custo compromete muito o trabalho com o drama da personagem; Emily deixa de ser uma triste vítima – onde estava sendo trabalhada com certa entrega pela jovem Jennifer Carpenter – para se transformar numa pobre caricatura.
Outra falha grave em certas cenas de incorporação demoníaca e de exorcismo, respectivamente, está no uso excessivamente amador da computação gráfica. Todas as aparições, insinuações, delírios são ilustrados na tela por uma técnica feia, que reduz o impacto almejado, e carregam o que se pretendia assustador de humor involuntário – coisa triste para algo que se firmava como sério. Pouco ajuda também a câmera que se agita nos momentos mais intensos para colaborar com uma tensão que poderia ser efetivada caso houvesse simplesmente um maior cuidado com os elementos da cena (ambiente, iluminação, interpretações, etc.).
Do jeito que me surpreendeu a forma como lidou inicialmente com o tema (sua fotografia fria que ajuda a trazer a situação mais para a melancolia que para o terror merece destaque), decepcionou pela forma com a qual desperdiçou as maiores nuances da tragédia em função das investidas no campo do horror que quase nunca funcionam. Como drama, abraçando todo o misticismo, as dicotomias entre a religião (ou a fé, propriamente dita) e a descrença, o filme merece respeito, coisa que não pode ser dita quando trafega pelas ferramentas mais básicas para se construir algum suspense, onde abandona a mensagem, a abordagem e a segurança que lhe fizeram um bom filme. Com potencial para mais, sim, mas apenas um bom filme.
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