No dia cinco de abril de dois mil e onze, o produtor dos filmes da série “Harry Potter”, David Heyman, em uma coletiva com a imprensa, comentou sobre o último e tão esperado filme, e afirmou: “É um filme cheio de ação e aventura, mas pouco convencional para Hollywood”. Até a primeira oração da entrevista não fiquei surpreso, é óbvio, pois já havia lido o livro. Porém, quando a conjunção adversativa “mas” introduziu a segunda oração e concluiu que é um filme “pouco convencional para Hollywood”, fiquei cismado com essa afirmação. Como assim: um filme pouco convencional?, eu me perguntara. É óbvio que não consegui chegar a uma resposta satisfatória, pois se a soubesse não teria me decepcionado com a sequência mais esperada de “Harry Potter e As Relíquias da Morte: Parte 2”.
Esse último filme da série foi divulgado pela mídia, pelos trailers e featurettes, por todos os pôsteres como sendo “épico”. “A conclusão épica”. “A Batalha épica”. Se isso foi propaganda enganosa, não sei. Se foi ignorância dos produtores quanto ao significado da palavra, também não sei. “Épico” quer dizer “algo grandioso, de proporções gigantescas”. Quer exemplos de filmes realmente épicos? “Ben-Hur”, “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”. Filmes com batalhas intensas, longas, memoráveis, que marcaram a história do cinema. A batalha que temos em “Relíquias da Morte”, definitivamente, sob hipótese alguma, é épica. Não mesmo. A batalha em si, os confrontos, os ataques, as invasões, se mostram abaixo do esperado. As imagens dos trailers eram realmente espetaculares, pois quem escreve aqui tinha a certeza de que aquelas imagens, no filme, seriam mostradas de uma forma mais lenta, mais pausada, mais detalhada. Não de uma forma rápida, que infelizmente é o que acontece. Como se fossem fotos sendo passadas aleatoriamente. Quer um exemplo dessas “fotos” sendo passadas de forma rápida e aleatória? Torres de Quadribol caindo. Aberforth Dumbledore conjurando um poderoso e potente feitiço do Patrono. Gigantes descendo a montanha em direção a Hogwarts. Comensais da Morte invadindo o castelo e jogando feitiços para todos os lados. Aranhas atacando os alunos de Hogwarts. Tudo, exatamente tudo, de relance. Os gigantes, ao invadirem o castelo, já chegam quebrando quase todas as armaduras que ganharam vida através de um feitiço da Profª McGonagall. As armaduras, aliás, passam pouco tempo em tela, o espectador não tem o direito de observar com mais detalhes e apreciar as armaduras. Em seguida, os Comensais da Morte voam e entram pelas janelas, em seguida duelam rapidamente com personagens já conhecidos pelo público. Tudo sem nenhum detalhe. Sem nenhum detalhe que enriqueceria o filme. As aranhas são as criaturas que mais “sofrem”. As pobres coitadas passam exatamente a mesma duração – ou seja, mínima - na tela do que no trailer. Só somos presenteados com, de novo, mais um relance delas sendo atingidas por um feitiço e pronto. Prefiro nem comentar criaturas que tinham no livro e foram deixadas de lado. Só por curiosidade, tínhamos também trestálios; o hipogrifo; o gigante meio-irmão de Hagrid, o Grope; sem falar da multidão de centauros e também multidão de aranhas. Até as batalhas de “Crônicas de Nárnia” são mais bem planejadas. Foi realmente muito decepcionante, para não usar uma expressão bastante vulgar. A impressão que fica é que a produção do filme economizou nesse quesito.
Saí do cinema com aquela sensação de que faltava algo. Saí muito decepcionado. Esperava mais - da tão aguardada por mim – Batalha de Hogwarts. Foi aí que me veio àquela entrevista de David Heyman, citada por mim no primeiro parágrafo, de que não era um filme convencional para Hollywood. Foi aí que me veio, também, à cabeça entrevista de alguns atores e até a crítica de Pablo Villaça. Ver Hogwarts sendo destruída não é algo espetacular. Ver a escola que foi o cenário dos filmes nesses dez anos sendo destruída é triste, muito triste. Concluí que o “pouco convencional” era isso. Num filme convencional que tem uma grande batalha, como esse aqui, o diretor optaria por mostrar as imagens com uma trilha sonora agitada – como comentou Pablo Villaça -, mas o que acontece é justamente o contrário. As músicas são tristes, melancólicas e mostram que é algo realmente muito triste ver o “lar” dos personagens sendo destruído. Por favor, se você que está lendo e não se importa com revelações sobre o enredo, não vá ao cinema com esperança de ver uma batalha nos portes da trilogia de Peter Jackson. Vá ao cinema para ver a busca de Harry Potter pelas últimas Horcruxes. Considere a Batalha de Hogwarts como sendo apenas algo secundário. Mas é inegável que a duração do filme, de apenas 117 minutos, é algo muito negativo. As cenas estão rápidas, as mortes estão rápidas, tudo está muito rápido. Parece que a pressa para finalizar a estória era imensa. Tive essa mesma sensação quando li pela primeira vez o livro justamente quando começa a segunda parte nos cinemas. Como se fosse algo rápido, de supetão, sem tempo para grandes explicações e contemplações. Resumindo, pela primeira leitura de “Relíquias da Morte” achei o pior livro de todos. Quando li pela segunda vez, minha visão foi outra e amei o livro. Assim como quando li pela terceira e pela quarta vez. Como no filme os fatos precisam ser enxugados para se encaixarem cinematograficamente, as coisas ficaram mais rápidas que o livro. Espero, de coração, que, ao assistir pela segunda vez a esse filme, eu tenha a mesma sensação de quando eu li a obra pela segunda vez: de que tinha que ser assim.
Deixando as muitas queixas sobre o filme vamos a um assunto mais agradável e que veio melhorando a cada filme dos oito. Se no filme anterior, “Relíquias da Morte: Parte 1”, Rony e Hermione, principalmente a última, tinham muito mais destaque e roubavam a cena de Harry, o que acontece aqui é justamente o contrário. O filme é de Daniel Radcliffe. As cenas em que ele aparece são dele. Finalmente foi entregue uma atuação digna do personagem. Ralph Fiennes finalmente (e felizmente) ganhou destaque como o vilão Voldemort e aparece em muitas cenas do filme. Sua atuação está exagerada em algumas partes, mesmo assim uma das melhores do filme sem dúvidas. Depois de ficar no limbo em quase metade dos filmes, Maggie Smith ganha destaque como a Profª Minerva McGonagall, que está furiosa e poderosa, vide seu duelo com Severo Snape, que foi interpretado com complexidade durante os oitos filmes – principalmente neste – por Alan Rickman. Sua cena abraçado a Lilian Potter morta é de cortar o coração. Muito emocionante.
Apesar de boas atuações, temos um problema. Não de atuação, mas sim de roteiro, que desprezou ou esqueceu essa personagem: Belatriz Lestrange. Interpretada por Helena Bonham Carter de uma forma insana e divertida, a bruxa aparece pouco durante o longa, e quando aparece praticamente não fala, não com sua voz e sim com a de Emma Watson. Um verdadeiro desperdício, se bem que isso já é um padrão durante essa década de filmes de “Harry Potter”.
Mortes. Muitas mortes. Algo comum em uma batalha, ou “grande” batalha. A morte de Fred Weasley, se é que se pode chamar aquela cena de “morte”, se passa muito despercebida pelos mais desatentos e não causa um impacto no público, se bem que isso não pode ser considerado algo tão negativo, já que muitos morrem numa batalha. A morte que me deixou verdadeiramente chocado foi a de Lilá Brown (detalhe: ela não morre no livro). Lobo Greyback chupando o pescoço da garota é realmente assustador, e duplamente assustador por ser algo realmente inesperado.
Se a maioria das cenas são tristes e fortes, algumas, como no início do filme realmente são lindas, criativas e divertidas, como é o caso da invasão ao Gringotes e a fuga do trio nas costas do dragão. Só para começar. A “montanha-russa” que leva a pessoa aos cofres é realmente uma cena de tirar o fôlego, especialmente com o eficiente uso do 3D convertido que, apesar de tudo, pode ser facilmente descartado. O mesmo vale para a direção de arte, ao retratar a caverna que fica os cofres, como sendo algo realmente muito grande, basta prestar atenção à cena em que o dragão está escalando as pedras. O dragão – que está muito convincente – é imenso e quando está escalando as rochas ele se torna algo pequeno. Realmente um cenário belíssimo, confesso que não esperava ficar maravilhado com essa sequência do filme. Outra coisa que assusta é a realidade do trio em cima das costas do dragão e este quebrando o telhado do Gringotes. A forma como o trio está se mexendo, o quanto eles estão inseguros em cima daquela criatura é realmente de saltar os olhos. Outra cena que salta aos olhos são os feitiços de proteção que os professores de Hogwarts conjuram ao redor do castelo. É realmente fascinante, excitante, ver Hogwarts sendo arrodeada por aquela “capa” azul. Sem comentar na hora que os comensais quebram a proteção e Voldemort acaba por destruí-la, com um poderoso feitiço. Outra criatura que está muito bem feita, nem parece feita por computador, é a gigantesca serpente, Nagini. A edição de som, como nunca nos filmes anteriores, ajuda de uma forma impressionante nos efeitos especiais. Basta citar a cena em que os comensais jogam feitiços para quebrar a proteção do castelo e o barulho ensurdecedor que é feito. A Trilha Sonora, composta por Alexandre Desplat é melancólica, triste, dramática, e marcada por resgatar temas famosos e maravilhosos compostos pelo insuperável John Williams para os primeiros filmes. Foi realmente um elemento muito importante para o filme: a trilha sonora.
Muitos reclamaram da lentidão do filme anterior. Se for apenas por esse motivo esse filme vai ser bem melhor para tal pessoa, apesar de deixar muito a desejar nas cenas da Batalha (não quero mais comentar sobre esse acontecimento decepcionante). Os diálogos, que são mais ágeis, se mostraram muito mais afiados que a primeira parte. O roteiro foi bem escrito por Steve Kloves (apesar de erros), que tomou muitas liberdades perante a obra original: a principal mudança foi o duelo final entre Harry e Voldemort, que lutaram mais violentamente, e não apenas gritaram “Avada Kedavra” e “Expelliarmus” como no livro.
Depois de dez anos de muito sucesso, mas também de muitos problemas com os filmes (esse último não é o melhor) David Yates consegue trazer um final digno à série, apesar de dar muitas derrapadas, e ir contra tudo o que Hollywood faz. Realmente, tenho que admitir que David Yates é muito corajoso. O “cara” fez uma batalha totalmente diferente das de outros filmes, foi original, isso é inegável, seja pelo bem ou pelo mal. O filme emociona, surpreende em muitas cenas, e fecha com chave-de-ouro (que clichê!). Parabéns à equipe do filme que se mostrou muito competente durante esses dez anos e, mais uma vez, a David Yates que, sem dúvidas, foi muito ousado nesse filme.
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