É natural que hoje em dia o filme não gere um grande impacto e até possa ser considerado superestimado por quem o assiste pela primeira vez e não leva em consideração a sua importância para a história do cinema, afinal, já se passaram 73 anos desde seu lançamento. Mas é uma grande injustiça analisá-lo sem levar em conta a época de sua realização. E isso não é uma tarefa difícil de fazer, basta se imaginar dentro de uma sala de cinema em 1941.
Imagine que todos os filmes contam suas histórias apenas de forma linear e com movimentos de câmera que basicamente se resumem a ir da direita para a esquerda, de cima para baixo e vice-versa. Assim eram os filmes da época (com raras exceções), e o próprio “Cidadão Kane” seria assim se não tivesse sido feito pela mente brilhante de Orson Welles, que inovou o cinema tanto em técnica quanto em conteúdo, quebrando os moldes do Cinema Clássico.
Além de explorar de forma nunca feita antes a profundidade de campo, ângulos de câmera, usar de uma narrativa não linear e de uma montagem sofisticada, Welles também é ousado no conteúdo apresentado. O diretor crítica a manipulação da imprensa feita por homens poderosos para alcançar seus próprios interesses e critica também a ambição do homem para obter poder e sucesso, o que, nesse caso, resulta em sua solidão, sendo abandonado por aqueles que um dia já amou.
Tudo é contado através de uma biografia disfarçado do poderoso magnata William Randolph Hearst. O excelente roteiro co-assinado por Welles e Herman J. Mankiewicz tem seu fio condutor no mistério em volta da última palavra pronunciada por Charles Foster Kane: “Rosebud”. A busca de um jornalista para solucionar esse mistério é o que leva aos fatos contados através de flashbacks de pessoas que tiveram alguma participação na vida de Kane, desde a sua infância até o seu último segundo de vida. “Rosebud” era como Hearst chamava o clitóris de sua mulher, mas no filme a palavra nada tem a ver com esse significado.
O significado de “Rosebud” só é revelado em uma das últimas imagens do filme. Quando objetos da mansão de Kane estão sendo queimados, a palavra aparece em um trenó, o mesmo da infância de Charles. Isso leva ao momento mais traumático de sua vida: ter sido separado de sua mãe. Essa ideia é reforçada por Kane estar segurando um globo de neve ao pronunciar “Rosebud”, o que remete ao clima que fazia no dia em que ele foi separado de sua família. Então, em seus últimos momentos, Kane estaria buscando aquele momento que mudou sua vida e suplicando por sua mãe. Seu último suspiro seria pela falta que lhe fez a figura materna e de arrependimento pela consequente vida que teve, pois, apesar de tudo o que conquistou, no final, Charles Foster Kane era um homem infeliz. Claro que essa é apenas a minha interpretação e está longe de ser a verdade absoluta sobre o significado da palavra que intriga cinéfilos há 70 anos.
Hoje “Cidadão Kane” é tido por muitos como o melhor filme da história do cinema, algo que nunca será possível definir com precisão. Mas goste ou não do filme, sua importância é inegável. Infelizmente, esse reconhecimento só veio com o tempo. Na época de seu lançamento o impacto causado não foi bem aceito, afastando parte do público, recebendo críticas negativas, sendo prejudicado por uma forte campanha de Hearst para proibir a sua exibição e ganhando apenas uma de suas nove indicações ao Oscar. Assim a obra mais importante de Orson Welles seria também a sua ruína. O prodígio diretor enfrentaria muitas dificuldades em sua carreira devido ao sistema de produção que dominava a época. Algo lamentável, visto o seu talento e as suas obras que foram deixadas para a história da sétima arte.
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