Se transpor uma obra-prima de uma mídia para outra já é uma tarefa difícil, fazê-la alterando o material original é um trabalho ainda mais árduo e requer coragem. Laurence Olivier foi o responsável por esse feito, de adaptar Hamlet para o cinema, naquela que é considerada por muitos como a adaptação cinematográfica definitiva de Shakespeare. O prestigiado ator inglês é Hamlet, e não falo apenas de ser o personagem-título, mas sim de ser toda a alma do filme, pois, além de ser o protagonista, ele também é o diretor, roteirista e produtor dessa que é a primeira produção não-americana a ganhar o Oscar de Melhor Filme (também levou os prêmios de Melhor Ator, Direção de Arte e Figurino).
O peso de adaptar umas das maiores peças teatrais da história não intimidou Olivier, que conseguiu adequá-la perfeitamente à linguagem cinematográfica, fazendo algumas alterações, por opção e necessidade. Se falas são alteradas com a intenção de dar um aprofundamento psicológico maior ao texto original – isso por liberdade de Olivier –, personagens e alguns trechos tiveram que ser omitidos para o filme não ter uma duração excessiva. As escolhas do diretor funcionam e foram executadas perfeitamente, assim, por mais que tenha se tornado exaustivo usar essa palavrinha francesa em textos sobre cinema, me sinto praticamente obrigado a elogiar seu uso nesse filme: a mise en scène. O belíssimo uso da mise en scène é uma das qualidades mais louváveis do filme e que fazem sua direção ser digna de qualquer elogio. Laurence, influenciado pelo trabalho de Orson Welles anos antes em Cidadão Kane, explora a profundidade de campo e faz uso de incríveis movimentos de câmera, concebendo planos com uma beleza estética rara de se ver à época.
Não só por seus feitos técnicos o filme merece ser enaltecido, afinal, não é à toa que a obra de Shakespeare se mantém forte há mais de quatro séculos, e Olivier conseguiu levar às telas toda a força do trabalho do dramaturgo. Se temas como traição, inveja, vingança e incesto despertavam o interesse do público no início do século XVII, hoje não é diferente, e na época da realização do filme, menos ainda. O diretor passeia com sua câmera pela imensidão do castelo abordando esses temas e captando as emoções dos personagens, acompanhado ao fundo por uma trilha sonora que confere a textura emocional perfeita a cada cena. Assim, percebe-se que, também não por acaso, o filme de Laurence Olivier é por vezes considerado a maior adaptação de uma obra de Shakespeare, quando mesmo cineastas como Kurosawa tentaram o mesmo feito.
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