O cineasta Joe Dante possui uma filmografia muito completa. Fez filmes de comédia, como em Ligeiramente Grávida, de fantasia e comédia, como no fascinante Gremlins e até mesmo de ficção/terror em No Limite da Realidade. Retornou, contudo, em 2009, num filme que foi pouco discutido (infelizmente). The Hole, lançado nesse mesmo ano, atraiu um público pouco numeroso e foi discreto para a maioria da crítica, recebendo, na mesma medida, elogios e "pedradas". A verdade é que O Buraco, lançado à época em 3D nos cinemas, é muito mais do que um filme adolescente, com um romancezinho bobo, além de alguns sustos baratos. É bem verdade que possui esses elementos, às vezes em demasia, mas por baixo de toda essa "casca" do enredo, Dante quer nos contar algo simples, mas imperceptível na correria da rotina. Que nossos medos, muitos deles adquiridos na infância, podem perdurar até a vida adulta, caso não deixemos de lado memórias ruins, insistentemente cultivadas pela não aceitação da maturidade.
O começo é bom e revela um grupo de atores bastante afiado (alguns irritantes, como a atriz que faz a mãe de Dane e Lucas). Dane e Lucas? Sim, os dois protagonistas. Os dois irmãos acabam de se mudar para uma cidade pacata, depois de viverem no Brooklyn. De início, estranham o fato de não conhecerem ninguém no deserto lugar, que possui belas casas e muita natureza em volta. O velho estereótipo de irmãos em conflito de interesse é visto em O Buraco, junto de clichês do tipo "conhecer uma nova namorada no bairro", mas nada que afete (muito) o todo. Na película, o interesse principal é no tal buraco. Buraco esse encontrado no porão por Dane e Lucas, quando os dois finalmente se acertam em "brincar de algo". Explorando a nova casa, enquanto a mãe lida com negócios, os dois descobrem uma tampa no porão, bloqueada por inúmeros cadeados. Por curiosidade, a dupla acaba achando o molho de chaves que abriria a misteriosa tampa. Conseguem realizar tal tarefa e encontram um "fundo" preto, literalmente um "breu" sem um fundo de fato. Testam jogar coisas para ouvirem o barulho da queda e falham constantemente. Até mesmo a vizinha, que se torna a mais nova amiga do desajeitado Dane, Julie, passa a entrar na brincadeira.
Passam-se os dias, as noites, o buraco continua aberto. O roteiro de Mark L. Smith explora muito isso. O buraco. Ele é o protagonista, pontos positivos para o filme nesse quesito. Porém, algumas piadinhas são intragáveis, por serem extremamente infantis. A construção de algumas relações deixa a desejar na organicidade. Se por um lado, falta fluidez nos diálogos, sobra na condução narrativa. Dante não tem pressa em revelar nada ao espectador. A narrativa é posta em ação sob uma deliciosa aura oitentista. O cineasta retoma elementos dessa época, nos presenteando com uma história simples, que revela o simples de uma forma extraordinária.
Fazendo uma análise maior, O Buraco evidencia que a materialização dos nossos pensamentos é possível, não somente no campo artístico, graças à imaginação. A garota macabra, saída diretamente de um filme horripilante dos anos 70, persegue Julie. O palhaço, figura geralmente associada a determinados temores infantis, persegue o irmão caçula Lucas. Ambos atormentados por um buraco que nada mais é do que seus próprios inconscientes, afetados por diferentes fatores. Trauma da infância, da perda, até mesmo dos castigos corporais. Mesclando essa mensagem além do óbvio com adoráveis referências (a cena em que Lucas assiste Godzilla na TV é a cereja do bolo), The Hole se mostra um filme diferente do que aquele vendido pela produtora. Talvez faltasse retirar certos excessos, como alguns encontros de Dane e Julia e seus papos de colegial. Senti também a falta de uma trilha sonora, quase inexistente. Falta carisma para alguns atores e o miolo do filme é extremamente cansativo. Quando o filme revela, no seu ápice, a mensagem final, tudo se equaliza.
É fato que as singularidades de cada personagem é bacana de se acompanhar. Lucas e seu videogame portátil de mão, Dane e seu estilo mais atlético, Julie como uma curiosa jovem, que não liga para o que os outros pensam dela. Gosto da cena em que o trio pede uma pizza e armam uma festa no porão, com luzes e decoração. No longa, a mãe sempre é despistada sobre a investigação do trio de jovens curiosos, nunca fica sabendo dos "eventos". Dante retoma essa vertente aqui muito bem. A dualidade do mundo das crianças versus mundo dos adultos (bobões que não sabem de nada). A sede pelo novo, pela investigação, pelo descobrimento de uma aventura em que você é o herói.
Por fim, nada mais justo que ter analisado essa obra, que mostra de tudo um pouco. O binóculo que enxerga um grande mistério num simples copo d'água, tornando uma aventura possível. A disposição juvenil para viver sem se ater aos problemas. O Buraco, além de sua mensagem de pesadelo que vem à tona, nos coloca na boca um gostinho de quero mais. É um filme muito simples, por vezes sem inventividade, mas que, mesmo trôpego, faz a gente pensar: "Ah, aquele tempo.." "Poxa, que saudade..". Na infância, todos temos os nossos monstros, os nossos bloqueios que, posteriormente, podem ser formulados ou não. Em tempos de telas e eletrônicos, O Buraco veio para mostrar que essa vida de criança nem sempre é tão doce assim. E que existem batalhas, seja no contato físico, no diálogo olho no olho, quanto na nossa consciência. Consciência como um martelo que não nos deixa em paz com aquela professora que tanto tememos, com aquele pai abusivo, enfim, com tudo o que tememos com unhas e dentes desde o nosso nascimento.
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