O diretor alemão Rainer Werner Fassbinder (1945 - 1982) adorava pegar contextos políticos de seu país e trocá-los por personagens femininas. Não é por acaso que muitos de seus filmes levam no título o nome das mesmas, tais como: Martha (1974), O Casamento de Maria Braun (1979), Lola (1981) e claro, Lili Marlene (1981). É interessante notar no filme como o Terceiro Reich tinha poder sobre seu povo, assim como Lili Marleen chegou ao auge, foi como ligeiramente decaiu. Também é interessante notar que Lili Marlene é o único filme de Fassbinder que foi selecionado pela Alemanha a concorrer ao Oscar. Que o diretor mais criativo e intensivo do Novo Cinema Alemão teria sido lembrado uma única vez para ser representado no exterior.
E era exatamente isso que ele buscava filmando o passado, mostrar que o presente é um grande museu (sem muitas novidades). A relação do passado com o presente em que o diretor vivia no seu país era quase como "causa e consequência" ou "feito e efeito". Os mesmos erros de antigamente seriam os novos erros de amanhã. E nisso também inclui-se: desvalorizar seus artistas.
Lili Marlene é o retrato dessa Alemanha que falo. Vende-se ao Nazismo mas é apaixonada por um judeu. Faz de tudo para ser reconhecida, mas ao chegar no objetivo perdeu tudo, e isso inclui seu amigo, companheiro e também sua paixão. Ao atingir seu objetivo, não vê absolutamente nada de interessante no mesmo. Ela ama um judeu ao mesmo tempo em que transa com homens da Gestapo, decide trair o "patrão" enquanto faz propaganda do mesmo, tudo isso se torna um exercício interessante de imoralidade. Depois disso, seria acusada pelo próprio Nazismo. Um jogo cruel de quem consegue abusar mais do poder.
Lale Andersen tem aqui seu nome trocado para Willie (interpretada pela belíssima Hanna Schygulla), apesar de ficar conhecida como Lili Marleen, Lale é o seu nome verdadeiro, e Willie é como foi chamada no filme. Essa confusão é por causa da música (tocada a exaustão no filme), que durante a guerra serviu para elevar o ânimo dos soldados alemães no front e manter intacta a força do Nazismo, essa sim Lili Marleen. Curiosamente, a música também encantou os rivais aliados (como mostrado no filme).
Fica evidente o orçamento apertado que Fassbinder dispunha - sempre o é para artistas de seu calibre - em certas cenas. Muitas vezes seus filmes não são apreciados por um grande público por não mostrarem a guerra como todos estão acostumados a ver, são poucas as cenas de batalha no filme (e o pior, são cenas retiradas do filme Cross of Iron de Sam Peckinpah, de 1977) e isso afugenta o público que espera mais emoção e menos delicadeza. Delicadeza nos olhares de Willie a cada separação que sofre de seu amado. Dos ambientes internos com uma intensa luz vermelha (fraterno, calor, proteção) e os exteriores no azul (frieza, indiferença, iminência de morte).
É também considerado como um filme menor de Fassbinder, principalmente se comparado ao seus filmes sobre mulheres, e eu concordo bastante. E há um grande motivo para isso, a edição. O filme tem cerca de duas horas e por vários momentos vemos cenas que se repetem 4 ou 5 vezes, a própria música do título se repete por várias vezes em um mesmo molde de cena. O contraste entre a canção Lili Marleen e os mortos na guerra deveriam causar incômodo, mas pela terceira vez causam tédio.
A questão é que entre problemas de edição e de ritmo, há um filme que não se limitou em contar a história e passou a ser parte importante dela.
Belo texto man! Fassbinder é sempre bem vindo!!