Falar sobre Tess (1979) de Roman Polanski é um imenso paradoxo. Como argumentar sobre um filme pequeno, passando-se em torno de uma única personagem, mas que dura 172 minutos?
Na Inglaterra rural do século 19, John Durbeyfield (John Collin) tem uma curta conversa com um pastor estudioso, tal conversa mudará a sua vida, pois agora Durbeyfield descobre ser descendente de uma nobre família, os d'Urberville. Em busca de riqueza (ou apenas um cavalo novo) ele fará com que Tess, sua filha mais velha, aproxime-se de seus prováveis parentes ricos.
Durante quase três horas não vemos Tess (Nastassja Kinski) nos dar um único sorriso, sua expressão facial é quase inexistente. Ela observa o mundo com a pureza e a delicadeza de uma dama refinada, mas com uma vida de camponesa sofrida. E talvez isso seja o que tanto fascina no romance de Thomas Hardy, que nunca poupava seus leitores de seu pessimismo costumeiro. O próprio escritor inglês, que viria a ter uma vida urbana próspera como arquiteto e poeta, passou sua infância no campo. Talvez haja mais de Hardy em Tess do que se imagina.
O filme, que é acusado por seus detratores de ser muito monótono, é na verdade, de uma vasta sensibilidade. Cada cena parece ser uma pintura carregada de melancolia, e quanto mais trágica se torna a vida de Tess, mais o tom de mel da fotografia é tomado por um tom cinza ardósia. Seus temas centrais são o amor e a morte. Nada que Polanski não entendesse na carne naquela época, anos antes ele perdera seu grande amor (a atriz Sharon Tate), em um dos assassinatos mais cruéis da história de Hollywood. Em uma entrevista recente, o diretor disse ter ficado desapontado com seu psiquiatra na época, que teria dito que a dor da perda passaria em alguns anos, nas próprias palavras de Polanski: "Não sei como um psiquiatra pode errar tanto." Sharon Tate era uma fã de carteirinha do romance Tess of the d'Urbervilles, e é ela a quem Polanksi, a muito suor e recursos limitados, dedica o filme.
Tess é o retrato da mulher em transição, da aristocracia para a filosofia burguesa de vida, a mulher como "coisa", como objeto e como ser de função para o prazer e para a reprodução da espécie. Não é à toa que Tess, em sua lua de mel, perdoa seu marido por seus erros, mas não é perdoada pelos mesmos erros. Ela é então, uma alma feminina perdida em um mundo opressor e ordinário. Em uma cena, durante um jantar, ela mostra o ser sensível que é, falando em como a alma pode se desprender do corpo ao deitar-se numa noite estrelada e fixar o olhar em uma devida estrela. É rompendo essa barreira entre o físico e algo além deste plano terreno, que Tess conquista o silêncio de uma sociedade que só pensa em fartar-se de comida, religião e trabalho durante a vida. Sem tempo para algum pensamento mais sensorial e deslocado de afazeres inúteis.
Quando citei no início que Tess era um filme menor, quis dizer que sua duração e sua mensagem são de filmes de grandes proporções como "...E o Vento Levou" por exemplo, mas sem grandes cenários ou grandes guerras, apenas conflitos humanos. Ou como diria o terrível subtítulo brasileiro "Uma história de vida", de pessoas simples e acontecimentos banais. Mas tais acontecimentos, são para aquelas pessoas, casos de vida ou de morte.
Não bastasse um épico sobre uma camponesa que tem tudo para se dar mal, a maior contradição é certamente o próprio olhar sensível do diretor sobre às mulheres como um todo. Os dogmas cristãos fazem a cabeça de muitas pessoas, tanto no passado como nos tempos atuais, e a relação homem e mulher era, e ainda é dois pesos e duas medidas. Mas como explicar tal olhar de sensibilidade pela pessoa que justamente parece menos entender disso? Charlotte Lewis e Samantha Geimer são dois exemplos dessa contradição, ambas afirmam ter sido estupradas quando menores de idade por Polanksi, e a própria Kinski, também menor de idade na época, teve um relacionamento com o mesmo antes das filmagens de Tess.
Talvez, ao filmar Tess, Roman Polanksi não estivesse falando simplesmente da vida fatalista de uma mulher, que é usada por homens (de seu pai até desconhecidos) como moeda de troca, e sim, estivesse achando uma forma de lidar com a sua própria vida, espantar os fantasmas que sujaram a sua imagem perante o mundo e de alguma forma, dialogar com seus próprios erros. Ninguém melhor para falar sobre o ato da morte como um psicopata, de certa forma, ninguém melhor para nos mostrar a dor de uma menina, do que alguém que causou dor a tantas e viu tantas sofrerem, afinal de contas, Polanski viu sua mãe morrer em um campo de concentração. A própria cena de estupro, presente no filme, deve ser tão significativa para Polanski quanto para Tess. Para Godard, filmar era responder a perguntas, dialogar com elas, certamente Polanski teve uma longa conversa com Tess.
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