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Morre o gênio do futebol Diego Armando Maradona

Maradona, D10s

O atleta mais cinematográfico que já existiu. Uma história digna das grandes dramaturgias da ficção. Das suas origens numa favela do subúrbio argentino à obra-prima que criou nos campos. Após 1 mês de procedimentos cirúrgicos e tratamento de um quadro de abstinência, "El Pibe de Oro" sofreu uma parada cardiorrespiratória e não resistiu. O mundo perdeu hoje, aos 60 anos, o gênio do futebol Diego Armando Maradona.

Dieguito cresceu em Villa Fiorito, um comunidade muito pobre de Lomas de Zamora, localizada no sul da Grande Buenos Aires, capital da Argentina. O quinto de oito filhos, o primeiro homem de um casal muito simples, Chitoro e Dona Tota. Quando não dividia a fria e pequena casa com seus pais e irmãos, o Menino de Ouro brilhava nos "campos" de terra batida do bairro — que era "privado". "Privado de luz e privado de água", nas palavras do bem-humorado Maradona.

O canhotinho apelidado "Pelusa" (por causa dos cabelos cheios) tinha 8 anos e jogava no pequeno Estrella Roja quando foi descoberto por um olheiro do Argentinos Juniors. Rapidamente, o garoto se tornaria estrela maior do "Los Cebollitas", o imbatível time de juniores do clube. Com 12 anos, Dieguito já era uma atração nos intervalos do time principal na 1ª divisão argentina; seu talento com a bola deleitava a plateia. Sua profunda admiração pelos brasileiros Roberto Rivellino e Ronaldinho Gaúcho nunca foi à toa. A habilidade do Camisa 10 era divinal.

Maradona estreou pela equipe profissional do Argentinos Juniors em 1976, a 10 dias de completar 16 anos. Seu time perdeu de 1 a 0 para o modesto Talleres. Mas, em sua primeira jogada, Dieguito mostraria a que veio no futebol: deu um ovinho (ou "rolinho") em um adversário afoito. "Nesse dia, toquei os céus com as mãos", disse Maradona, numa frase que combina, sem acidente, poesia e religião. Maradona foi um artista e um devoto, e assim ele foi sempre retribuído pelo povo argentino e pelo mundo do futebol ao longo de sua trajetória.

O Boca Juniors vivia uma situação financeira terrível quando Maradona o escolheu, em 1981. Apesar de ofertas do exterior e do rival River Plate, o craque argentino deu um jeito de se transferir para o time com que mais se identificava, cravado na região pobre de La Boca. Foi apenas uma temporada no time azul e ouro, uma temporada atribulada com seu treinador e os terríveis Barra Bravas, mas uma temporada de shows na Bombonera e conquistas coletivas às vésperas de sua primeira Copa do Mundo.

Da campanha ruim da seleção argentina na Copa de 82 à sua passagem decepcionante pelo Barcelona até 1984, Maradona viveu um dos momentos mais críticos de sua carreira. Enfrentou fracassos, lesões e até uma grave doença. Foi quando tomou uma decisão corajosa: trocar o tradicional time catalão azul grená pelo modesto Napoli. Outro time que é uma verdadeira paixão de um povo humilde, agora na Itália. Aqui, vale uma pausa para falar de cinema: Diego Maradona (2019), documentário do premiado diretor Asif Kapadia (Senna, 2010).

O longa-metragem destrincha todo o contexto em que se deu essa transferência. Desde a quantia milionária paga para ele se mudar para Nápoles ao real (e dramático) envolvimento de Dieguito com membros da máfia local. Glamour e riqueza, tráfico e vício. Sem romantização, o documentário mostra como os chefões napolitanos conquistaram a confiança de Maradona, usaram sua imagem e alimentaram sua adicção para benefício próprio, pondo em risco a saúde, a vida e a carreira do atleta argentino.

A despeito de tudo, Don Diego foi rei em Nápoles. Foi deus! Defendeu com orgulho um time pequeno da periferia italiana e eternizou sua camisa no panteão dos grandes times da história do futebol. Com dribles, gols e títulos. E antes disso, em 1986, promoveu o maior feito de um jogador em Copas do Mundo. Liderando uma limitada seleção argentina rumo a uma conquista espetacular. Como foram seus dois gols históricos contra a Inglaterra. Quantro anos após o fracasso argentino na Guerra das Malvinas. É preciso compreender isso, esse contexto histórico delicado, para entender por que a "Mão de Deus" foi tão redentora para o povo argentino. Naquele dia, Maradona deixaria o status de jogador de futebol, de craque da bola, para se tornar religião.

A devoção despertada por Maradona naqueles que o tinham como ídolo foi capaz de feitos incríveis. Em 1990, Diego dividiu uma nação. A Copa do Mundo acontecia na Itália e parte significante do país — os ardorosos, barulhentos e discriminados napolitanos — escanteou a identidade nacional em nome de uma paixão visceral. Incrível como um gol de placa driblando um time de jogadores ingleses, intenso como um beijo proibido no amigo Caniggia, controverso como uma entrevista com Fidel Castro. Mais que original, Maradona foi único. Maior que o futebol, maior que a vida.

Descanse em paz, D10s.

Comentários (5)

André Araujo | quarta-feira, 25 de Novembro de 2020 - 18:53

O mais "filmável" dos atletas. Uma perda...

Bito | quarta-feira, 25 de Novembro de 2020 - 19:53

Descanse em paz o que não pôde em vida, el pibe.

Ótimo texto, querido Dioswal.

Rodrigo Nuso | quarta-feira, 25 de Novembro de 2020 - 20:01

O bicho era doido! E jogava quenem um espartano. O maluco foi um artista no futebol.

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