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Análise: Black Mirror - 4ª temporada


Black Mirror, apesar do quão óbvio seja seu título, é realmente um reflexo assustador da cultura dos nossos tempos. O criador Charlie Brooker, desde o momento em que a série ainda pertencia ao Channel 4, abraçou para si a responsabilidade de retratar a relação entre o homem e a tecnologia seguido de suas consequências através de storylines de pouca relação entre si, ambientadas em cenários e épocas diferentes, mas que rivalizavam sobre qual seria a espetacularização mais repulsiva e pessimista, porém não tão longe da realidade, sobre a dependência do ser humano sobre suas próprias criações tecnológicas. Quando adquirida pela Netflix, a série antes de público seleto ganhou o mundo.

A quarta temporada chega ao streaming trazendo na bagagem alguns nomes de peso para comandar os episódios, como Jodie Foster (que já havia trabalhando em Orange Is The New Black e House of Cards, também da Netflix), David Slade (de Hannibal) e John Hillcoat, responsável pelo clipe de Makes Me Wonder, da banda Maroon 5. E após a memorável temporada anterior, esperar o mesmo ou mais de Black Mirror era inevitável, uma vez que o trabalho de divulgação prometia episódios promissores e inusitados para este novo ano.

Mas algo aconteceu com Black Mirror, e não de forma positiva. Nada muda em relação à identidade da série como a conhecemos, e é mantido o tom pessimista acerca do futuro da humanidade, o tom satírico e tragicômico sobre o descontrole da mão humana com o avanço da tecnologia, e a reunião de diversos outros elementos modernos que permitem uma imediata relação moral entre o show e seu público. Mas em seu quarto ano, os roteiros de Charlie Brooker resvalam não somente no cansaço em explorar as possibilidades temáticas de cada episódio, mas também mergulha na pretensão de se fazer exibicionista em episódios cujas ideias, promissoras, não alçam voos mais altos e ora parecem incompletas, ora se disfarçam com uma esperteza que não lhes pertence.

Não havia como, por exemplo, segurar as expectativas para USS Callister, especialmente depois da divulgação de peso que a Netflix elaborou para a suposta paródia de Star Trek. O conceito do aprisionamento numa realidade virtual sob comando de um único responsável é obviamente chamativo, mas se superficializa quando ignora suas possibilidades de elaboração narrativa e transforma os desenlaces num jogo de gato-e-rato mergulhado em efeitos visuais propositalmente farsescos, mas que mais parecem uma distração do que uma muleta para a sátira. É como se Brooker desconhecesse o próprio material de sua criação.

Há uma crescente na temporada após o duvidoso episódio espacial, e Arkangel, o capítulo de Jodie Foster, é feliz na construção instigante do dispositivo que uma mãe implanta na filha para encobri-la do que há de violento e hostil ao redor. Mas é de se estranhar que, quando chegue em seu clímax, o script resvale em soluções fáceis e apressadas, finalizando o conflito entre mãe e filha com um desfecho que parece não saber como olhar adiante. E Crocodile, o episódio com ares de thriller sobre uma sociopata, é eficiente na construção de uma tensão que cresce conforme duas histórias, a de uma arquiteta e uma detetive, se convergem em uma, mas peca ao tratar o elemento tecnológico como um artifício menor, contrariando aí a lógica proposta por Black Mirror.

Se há um respiro maior nesta temporada, ele está em Hand the DJ, o episódio sobre o Tinder moderno do nosso futuro. O episódio é bastante feliz em sua fábula romântica sobre a suposta sensação de segurança que os aplicativos de relacionamentos nos oferecem com seus matchs entre pessoas de gostos similares. Graças a relação bem construída entre o casal do segmento, Hand the DJ desperta reações que vão do estranhamento ao sorriso, do desconforto ao alívio pela aproximação cada vez mais evidente do casal protagonista. A fala sobre a dependência tecnológica aqui é verossímil e de bom gosto.

Há pouco para explanar sobre Metalhead, o episódio em preto-e-branco que sai do nada para chegar em lugar nenhum sobre um cenário desolador ao estilo The Walking Dead que troca os zumbis por seres eletrônicos semelhantes a cachorros que perseguem um trio de sobreviventes. A falta de objetivo frustra, assim como a ausência de qualquer elemento que nos permita criar empatia com os personagens deste segmento. Black Museum retoma uma parte da dignidade com seu discurso evocativo a questões raciais que, nas devidas proporções, lembra a abordagem de Corra!, mas que se prejudica através de uma interminável contação de história que dilui o impacto final das revelações e da mensagem.

Mais dispersa do que nunca, é de se entender o desgosto que Black Mirror despertou em alguns fãs desde que esta season de problemas evidentes chegou ao streaming, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha sobre até onde as ideias de Charlie Brooker podem chegar. Aliás, o showrunner já anunciou uma série de livros baseados na série que irão narrar novas e surpreendentes histórias, cada uma escrita por diferentes autores, ideia esta que poderia ser igualmente ser estendida para uma série que pode se beneficiar imensamente de novas visões e idealizações sobre como a tecnologia se faz uma benção e uma maldição na sociedade moderna.

Comentários (2)

Alexandre Koball | quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2018 - 11:53

Gostei da temporada, com exceção do USS Callister. Agora, há uma repetição de temas (principalmente explorando o aprisionamento da mente) desde a primeira temporada, por isso gostei até do episódio do cachorro-robô, diferente dos outros (e super tenso). Boa (não ótima) temporada.

Luiz F. Vila Nova | quinta-feira, 09 de Agosto de 2018 - 13:59

Curti esta temporada, embora seja, de fato, a menos genial de todas. Concordo com o Koball sobre a repetição do tema "aprisionamento da mente" nos episódios das últimas temporadas e com relação ao episódio MetalHead, que apresentou uma abordagem diferente e extremamente tensa à série. Mas meu episódio favorito desta temporada foi Hang of DJ também.

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