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Primeiras impressões sobre o revival de Twin Peaks


Na cena de abertura de Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk With Me, 1992), um machado destrói uma televisão ligada que há poucos segundos transmitia em meio a um chiado estático os créditos iniciais do filme. Em outras palavras, David Lynch estava literalmente renegando e se despindo totalmente do formato televisivo para concluir os mistérios daquela história através de um filme, onde recuperaria a liberdade e a ousadia que lhe foram podadas quando no comando da série, que fora cancelada em 1991. Anos mais tarde ele tentou um retorno à televisão com uma série cômica de pouco sucesso e repercussão e depois tentaria mais uma vez com Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr., 2001), uma iniciativa que se desse certo se revelaria mais tarde como um spin-off de Twin Peaks – novamente, a força das circunstâncias impediram o diretor de seguir com seus planos. 

A verdade é que o histórico de Lynch com a dinâmica e a politicagem do formato televisivo sempre foi de atrito e descontentamento, por mais que tenha conseguido milagres que revolucionaram toda a indústria de entretenimento americana com as ousadias narrativas de Twin Peaks. Na TV, havia até aquela época uma clara limitação quanto a violência, sexo e experimentações, algo que era muito mais fácil de conseguir através dos filmes, em que teoricamente tudo é liberado. Mas o tempo é um deus muito irônico e estranho, e hoje a maior parte da vida inteligente em Hollywood migrou para a TV e permitiu que seu formato se expandisse e se diversificasse vastamente, na mesma medida em que o cinema americano foi ficando cada vez mais engessado e careta. 

David Lynch continuou interessado em fazer cinema até pouco depois da segunda metade da década passada, com o lançamento de seu trabalho mais radical, Império dos Sonhos (Inland Empire, 2006), no qual aproveita o boom do cinema digital para realizar uma experimentação única de imagem e tempo. Mas, diante desse cenário minguante do cinema e crescente da TV, não foi surpresa que seu interesse pelas telinhas tenha reascendido. Não podemos esquecer que ele sempre foi muito adepto das novidades e interessado nas possibilidades infinitas com o audiovisual. Também não podemos nos esquecer da icônica frase dita por Laura Palmer (Sheryl Lee) na season finale da segunda temporada de Twin Peaks: “I’ll see you again in 25 years”, o gancho deixado intencionalmente ou não para uma terceira temporada a ser realizada dentro de mais de duas décadas depois. A promessa foi cumprida com um pouquinho de atraso e nesta semana tivemos a estreia do revival de Twin Peaks sendo exibido no prestigiado Festival de Cannes 2017, que pela primeira vez incluiu uma série de TV em sua programação. 

Coincidiu de esses 25 anos depois prometidos por Laura terminarem num momento em que os revivals de séries consagradas estejam na moda (Gilmore Girls, Will & Grace, Arquivo X etc.), mas o novo Twin Peaks não parece fruto dessa onda de novas temporadas nostálgicas que tentam repetir a mágica das histórias originais para um público saudoso e condescendente; muito pelo contrário, a julgar pelos dois primeiro episódios da terceira temporada, podemos deduzir que se trata de uma experiência radicalmente oposta às duas primeiras. O destino da maioria dos personagens originais que já apareceram permanece um mistério, e foi dado muito mais espaço a novos rostos e novas tramas que a princípio não parecem muito conectadas com a história principal, que ficou no ar com o cancelamento abrupto da segunda temporada lá em 1991. 

A brincadeira com o formato folhetinesco, o charme da ambientação na cidade pacata e povoada por personalidades excêntricas, as cirandas amorosas e a diversão com o caráter episódico de um programa de TV tão presentes nas duas primeiras temporadas dão lugar a um novo tipo de atmosfera, peso e tom. Mais violentos, gráficos, explícitos e ousados, esses dois episódios inaugurais indicam que David Lynch e Mark Frost querem novamente radicalizar e revirar a televisão americana e que não temem o desafio diante de uma concorrência hoje muito mais acirrada do que a dos anos 1990. Incorporando algumas tendências modernas no terreno do terror/suspense, os criadores assimilam um plot slasher de dois jovens inconsequentes que são mortos enquanto fazem sexo, uma caixa de vidro rodeada por uma tecnologia capaz de captar espectros de outras dimensões, câmeras de vídeo filmando tudo em tempo real. O humor aplicado é mais sombrio e a ambição se expande para vários locais que escapam da lógica isolada da cidade pequena assombrada, alcançando a modernidade e agitação de Nova York e Las Vegas em tramas paralelas. 

Dentro de pouco menos de duas horas, Lynch e Frost abusam de novas tecnologias e de novos plots e dinamitam a proposta ao oferecerem mais dúvidas do que esclarecimentos com relação às pontas soltas da segunda temporada. Contra o senso comum, inclusive, a série evoca dois personagens que foram vividos por atores que já morreram e cujas participações nesta nova temporada haviam sido automaticamente descartadas pela maioria dos fãs, como Philip Jeffries (David Bowie) e Major Garland Briggs (Don S. Davis). Da mesma forma, ao revisitar a Casa da Estrada/Bang Bang Bar, de repente nos deparamos com Jacques Renault (Walter Olkvicz), personagem morto na primeira temporada. A tão famosa Sala Vermelha, local extradimensional rodeado por cortinas escarlate e chão em zigue-zague, também é explorada a níveis muito mais radicais e assustadores do que jamais fora anteriormente. 

Muito há de acontecer nesse revival de Twin Peaks, que tem mais 16 episódios pela frente, de modo que é cedo emitir qualquer opinião definitiva, ainda mais diante desses dois episódios tão enigmáticos. Mas o que fica claro desde já é o amadurecimento de David Lynch como artista. Nunca previsível, ele com certeza conseguiu surpreender mesmo com todo o marketing e todas as especulações em cima de seu grande retorno. Ainda é pouco para quem espera algo dele desde 2006, mas já serviu para deixar claro que essa nova temporada de Twin Peaks será, no mínimo, quente. 

Comentários (2)

Sabath | sexta-feira, 09 de Junho de 2017 - 21:04

Vai continuar?

Vinicius Lins Magno Ferreira | quinta-feira, 15 de Junho de 2017 - 22:03

Infelizmente, estou achando esta temporada um saco. Até o episódio 6 bem pouca coisa aconteceu, em ritmo de tartaruga. A cidade de Twin Peaks virou um mero pano de fundo, aparece quase como uma esquete, as coisas que acontecem lá não se ligam com as demais locações, as personagens antigas fazem figuração de luxo, e as novas nada acrescentam ao roteiro.

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