O cinema em sua fase mais recente tem nos irmãos Coen uma perspectiva multivariada de fazer a sétima arte e também um dos seus polos mais criativos e dinâmicos, proporcionando uma identificação com o estilo dos realizadores Joel e Ethan, apesar da capacidade de ambos de se renovar e entregar resultados muito acima da média do que se produz nos grandes centros. O Homem Que Não Estava Lá (The Man Who Wasn't There), filme de 2001, é um drama policial que foge aos clichês dos dramas policiais e fornece uma visão crítica sobre a realidade e a psicologia humana.
Nos primeiros minutos da obra prende o fôlego a intensa construção da personalidade do personagem principal, que parece ter caído de uma hora pra outra na cidade e na barbearia onde trabalha ("Não sou sequer um barbeiro, eu só trabalho lá", afirma Crane). Ed Crane é interpretado por Billy Bob Thornton, que, com a sua voz rouca e feições severas, serviu como uma luva à personalidade do protagonista. É um personagem excêntrico, incomum em relação aos que convivem com ele, os quais transbordam opiniões e sensações o tempo inteiro, enquanto ele apenas escuta e julga silenciosamente, mas sem uma elaboração crítica mais sofisticada, a estupidez ao redor.
Sua atenção é despertada por mero acaso no dia em que um homem entra na barbearia e começa a contar a ideia que lhe levara à cidade: reunir o capital necessário, 10 mil dólares, para iniciar um negócio de lavagem de roupas a seco. Seu potencial parceiro no investimento, no entanto, dera para trás e ele, cuja fala macia e articulada já começara a provocar a imaginação de Crane, voltaria para casa de mãos abanando.
O barbeiro, condição que é enaltecida na obra para revelar uma certa inferioridade cognitiva inerente à profissão, retorna para casa e bola um plano exótico para conseguir o dinheiro. Ele, que desconfiava das traições da sua mulher com o chefe dela (“Não que eu fosse me chatear com isso. É um país livre”) resolve utilizar a situação a seu favor. Sabendo que o homem não é o verdadeiro dono da loja, mas sim a esposa, ameaça, por carta anônima, contar tudo o que sabe à mulher deste caso não lhe sejam pagos 10 mil dólares.
O que sucede a partir de então é uma sequência de fatos completamente fora dos planos imaginados pelo protagonista e cujos desdobramentos prendem a atenção até o inesperado final.
O cenário preto e branco combina perfeitamente com o enredo noir. A narração em primeira pessoa, por sua vez, é conduzida friamente não obstante os fatos serem daqueles que desconcertariam os nervos de qualquer outro na mesma situação, tendo uma forte semelhança com a apatia e a indiferença do protagonista de Albert Camus, em O Estrangeiro, diante do caos que abate sobre sua vida. O Homem Que Não Estava Lá, um dos mais prestigiados filmes (pelo público) dos irmãos Coen, é, para além da impressão mais evidente, uma obra que denuncia o vazio e a falta de nexo e sentido pra vida.
Excelente texto Ramon, parabéns! Esse eu não conferi ainda, mas sua escrita atiçou minha curiosidade...