The Shooting, o faroeste enigmático, sombrio e atmosférico de Monte Hellman. Reside em sua essência o mistério em prol do desenvolvimento, o questionamento acima das explicações, a dúvida que esmaga as certezas e o espectador sente dentro de si a desconfiança que habita seus personagens de modo arrasador. Disparo Para Matar é isso, uma cavalgada sobre a incerteza e tratando-se de Hellman, é um filme símbolo dentro de sua carreira, onde sempre falou sobre uma busca deslocada, onde a jornada de seus personagens não faz jus ao sentido de uma busca em si, pois seus objetivos são sempre desconhecidos, restando sempre procuras abstratas, é quase a versão de Two-Lane Blacktop no deserto e sobre cavalos, não fosse o elemento do suspense psicológico.
E o filme não poupa um segundo para nos lançar em seu ambiente onde nada tem uma explicação certeira. Warren Oates é Will Gashade, um mineiro que acaba de retornar ao acampamento onde escava com mais três companheiros, porém um deles está morto, outro fugiu e o que restou no acampamento é o infantil Coley, que relata a morte do amigo num flashback que é a arma de Hellman para começar a moldar sua atmosfera. Após isto surge a moça sem identidade que deseja simplesmente um guia até uma região distante e sem saber por que ao certo o próprio Will aceita a missão. Então se inicia uma busca ao longo de um deserto escaldante e extremamente climático, no sentido de cinema.
Pouco a pouco, a simples historia vai ganhando contornos intencionalmente ao acaso. Dentro do contexto do filme, a personagem da mulher, vivida por Millie Perkins, carrega o posto de enigma maior, tudo ocorre em função dos seus desejos. A cavalgada que parecia comum passa a trazer um ar carregado quando as decisões dela causam desconfianças em Will. Mudanças de direção repentinas, paradas desnecessárias, identidades mantidas em segredo, tudo isto, elementos de tensão contidas no roteiro e que Hellman manipula habilmente para a imersão do espectador. Trabalhar a curiosidade de terceiros nunca foi fácil no cinema, mas o diretor aqui ergue uma verdadeira aula.
Mas de todas as peças inseridas para contribuírem para manter o ar de tensão em meio ao deserto, nada é igual ao surgimento do pistoleiro diabólico Billy Spear, talvez a primeira genial atuação de Jack Nicholson. Ele surge apenas pela metade do filme, o que contribui mais em seu misticismo dentro do contexto, já que trata-se deste grande ator, que apesar de que na época estivesse começando, era produtor do filme, logo, por já o conhecermos pela fama adquirida há uma espera para que se revele, e após uma demora, quando acontece é na pele do mais enigmático personagem de todos os pistoleiros já representados – páreo duro para o Estranho Sem Nome de Clint Eastwood -, que trás consigo um silêncio amedrontador, pois a própria narrativa em ritmo lento de Hellman é silenciosa, porém ele é um poço de mistério e sua entrada dobra o peso da atmosfera. E a cada passo dos quatro personagens pelo deserto a necessidade de saber o porquê daquilo tudo, aumenta. A certa altura já se é possível imaginar o objetivo da mulher em reunir aqueles homens numa travessia pelo deserto, porém o olhar de Hellman sempre esteve voltado para a jornada, não a chegada, e nesse sentido, em Disparo Para Matar ele se mostra extremamente consciente.
A trilha-sonora, se bem colocada, sempre traz consigo a climatização da obra. Aqui não é diferente, extremamente bem encaixada enfatiza a cada momento o distanciamento dos personagens do mundo, ao mesmo tempo em que eles o representam. Carrega uma melancolia enquanto cria um suspense inacreditável, visto que estamos em meio a um deserto, quase sempre a luz do dia e tudo é visível, maneira única de fazê-lo. Os atores também são peças chave para o filme ser o que é. Sobre Nicholson já foi dito. Perkins, a Anne Frank de George Stevens, carrega a responsabilidade e se apresenta genial como a catalisadora de emoções, Will Hutchins, o Coley, não some diante dos demais grandes atores, mas Warren Oates, este ator marginalizado assim como Monte Hellman e tão talentoso quanto, é extraordinário, sorte para os que lhe reconheceram ao longo de sua carreira, ponto para Peckinpah, John Milius, e outro para Hellman que dirigiu o ator em quatro oportunidades, com certeza uma das grandes parcerias do cinema independente americano.
Disparo Para Matar é isso, é o cinema de Hellman em essência, é um gênero sendo desconstruído e reavaliado em cima de outro. Diria que nem a melhor das obras de Anthony Mann carrega uma tensão grupal tão forte ou que nem Rio Bravo tem uma atmosfera tão firme. Este filme é um dos motivos que fazem do cinema algo tão extraordinário.
Vlw ae!
Um excelente filme, a atmosfera tensa prolifera um mistério por trás de cada personagem, especialmente o personagem de Nicholson, extraordinário em sua figura de anti-herói, onde a partir do momento que entra no filme tudo fica incrivelmente mais tenso... Enfim, um filme de incógnitas, como vc citou, é o estilo de Hellman em sua essência.
E esse é um dos melhores textos do Ravel que já li, excelente..
Agradeço Alexandre.
Veja tudo que puder do Hellman, é um cinema que vale muito a pena ser descoberto.