Galante e Sanguinário é um filme de personagens e principalmente, de momento, o que significa que as situações encenadas funcionam sob uma espécie de independência em relação ao contexto por inteiro (com exceção de uma situação próxima ao final), elas acontecem e são climatizadas como se cada minuto fosse o último na tela. Essa estratégia do diretor Delmer Daves concede à narrativa o elemento da tensão, criar uma historia desencadeando uma série de acontecimentos interligados por uma lógica e colocando em cada um deles a sensação de desfecho traz uma genial alternativa de falso clímax, fazendo com que a obra se torne um western psicológico poderoso e movimentado, já que o roteiro não nega ação.
Além desta alternativa narrativa o outro foco do diretor são os personagens, os dois principais preferencialmente. O rancheiro Dan Evans e o fora da lei Ben Wade, interpretados por Van Heflin e Glenn Ford. É interessante analisá-los, pois está na essência de ambos, motivações individuais, que contrariam certas tradições do gênero. Evans, é um homem comum, possui uma esposa, dois filhos e um pedaço de terra, onde come o pão que o diabo amassou devido à seca e Wade é o bandido que todos já ouviram falar da mesma maneira que o temem. Mas o que lhes difere dos demais personagens que habitam o western está presente em suas alternantes, o primeiro, é na verdade um herói deslocado, esforça-se para manter uma vida sem perigos e recua perante a violência, e quando posto, por necessidade, em ação, exprime uma coragem duvidosa, que se confunde com instintos emocionais. Já o segundo, brilhantemente personificado por Ford, é a espécie de bandido fora dos padrões do oeste, não é um maníaco sanguinário, pelo contrário, se utiliza de agressões psicológicas, na verdade é bastante articulado e esperto, o galante do título em português também se justifica, ao invés de investidas insensíveis e abusos ele é charmoso e conquista a confiança das mulheres facilmente.
Os conflitos são trabalhados através da alternância entre a ameaça física (externa) e psicológica (interna). É brilhante a passagem onde herói e bandido são confinados num quarto de hotel à espera do trem das 3:10, pois um grupo de homens capturaram o bandido. É possível ver no ar esse jogo físico/psicológico se instalando, onde do lado de fora do hotel, capangas do bandido ameaçam invasão, onde há trocas de tiros e uma população temerosa, enquanto dentro do quarto, Evans e Wade, se digladiam mentalmente. Na verdade, pouco a pouco, o fora-da-lei oprime seu capturador, que fragilizado pela natureza, se debate entre a dúvida de cumprir a lei ou libertar seu prisioneiro por um bom pagamento. E assim se configura literalmente o jogo entre corpo e mente, em um paralelo preciso entre o próprio ambiente. O que se pode perceber também na maneira como herói e vilão são dispostos um perante o outro, enquanto Wade tem como seu centro do poder, a mente, o rancheiro só possui como recurso a imposição física de sua arma. A câmera dentro do quarto é precisa e a atenção do diretor com cada enquadramento é louvável, sempre dispondo os atores em posições metafóricas.
A concepção visual fordiana, revela a intenção de se fazer um autêntico western, e através da jornada dos personagens é visível as semelhanças a outros. Principalmente, a história decorre ao longo de um único dia e há uma ansiosa espera pela chegada de um horário específico, o que nos remete a High Noon, além da busca do personagem por ajudantes que pouco a pouco vão se dispersando, assim com acontece com o xerife de Gary Cooper, o que deixaria Hawks desgostoso, assim como ficou com a obra de Fred Zinnemann, já que Galante e Sanguinário exerce uma clara força anti-hawksiana, onde o grupo reunido pelos oficiais vai se desconstruindo rapidamente devido a ameaça do inimigo. Mas assim como no clássico de 1950, existe a força de uma atmosfera, que é justamente o que a fuga dos auxiliares da lei ajuda a manter, transferindo seu medo para o espectador.
Dentre os faroestes obscuros, aqueles esquecidos ou colocados à sombra dos maiores clássicos, Galante e Sanguinário é um dos que mais merecem ser descoberto, pelos mais diversos motivos que o aproximam da essência do cinema e de qualquer grande exemplar do gênero.
Tem spoilers?
Não mesmo, por isso achei bem acessível o texto!
Acabei de ler, belo texto, a sensaçao de falso clímax tbm é aplicada por Mangold em Os Indomaveis, talvez em um estilo mais exigido pelos \"filmes comerciais\", mas sem perder a fidelidade à obra original..
Vlw aí!
O remake não vi ainda, mas verei...mas superar o Ben Wade daqui não é fácil não, tanto pelo desenvovilmento dele quanto pelo trabalho do ator.