Kansas City Confidential se entrega a um jogo de simulações, de suspense, entre homens e suas identidades ou possíveis identidades. Mas não se sustenta em imagens, tampouco busca apoiar-se na farsa, a simulação ou dissimulação são entregues à angustia da espera e a partir de tal estado de inércia, os personagens precisam permanecer ocultos, mesmo presentes, precisam esquivar-se dos olhares dedutivos, caminharem na sombra, enquanto olham de volta.
Desenha-se um assalto, orquestrado com cautela por Foster. Para tal, reúne três criminosos devidamente qualificados, então se inicia a manipulação dos personagens pelo roteiro. Nenhum vê a face do chefe - que por sua vez conhece a todos - ou dos próprios companheiros para o crime.
Dado o assalto, o plano segue para um reduto de pescadores em um lugar qualquer, onde o pagamento passa ser feito de modo discreto. O imprevisto é Joe, o homem usado como escudo, que atrasa a polícia enquanto os culpados fogem, e, por conseguinte é incriminado por estar nas circunstâncias devidas, graças a manipulação situacional e ambiguidades de Foster, que já inicia desde já, porém não evita que ele não busque vingança.
Essa primeira parte nos revela uma fluidez narrativa que rima com a construção de toda a situação brilhantemente, que não duvidarem se gente como Lumet, Friedken ou Woo tivesse grande apreço pelo filme. Desde a objetiva construção da equipe de assaltantes até a busca inicial de Joe, batendo nas portas do submundo, falando com gente sem identidade, sem medo de seguir os direcionamentos dos mesmos, sempre imprevisíveis, numa autêntica investigação a ser visto décadas mais tarde no cinema policial. Abusando também da violência física constante - uma arma apontada nunca foi tão ambígua e determinante como aqui. E se ela hesita em ser disparada, há um motivo, o prêmio ainda está em jogo, ninguém pode ameaçar sua imagem.
A tensão se estabelece quando, fora do alcance manipulativo de Foster, Joe assume outra identidade, sendo a peça que desencadeará a arquitetada desconfiança de cada um. O grande sustento do filme surge daí, quando todos sabem quem é quem e ao mesmo tempo nada sabem. Qual é o chefe? Quais são os assaltantes? O filme, porém, não busca se confidenciar com o espectador, nosso papel é apenas ver se aquilo tudo acabará bem ao final.
E por mais que o desenvolvimento não seja dos mais excitantes, a ação sempre é rompida, até a chegada do clímax, por outro lado concedendo um clima de ansiedade e espera, o que a final ao que os personagens estão presos. As identidades reveladas ou ocultadas, a proximidade física angustiante entre todos, a situação permanente e inerte, e claro, a iminência do pior a cada cena. KCC é uma pérola desse cinema americano permeado de intrigas, ambiguidade e violência, que merece ser descoberta.
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