Os primeiros minutos de Spotlight – Segredos Revelados (Spotlight, 2015) definem o sentido da existência do filme. Um caso qualquer de pedofilia é registrado em uma delegacia em Boston em 1976. O padre acusado está numa sala e a mãe da criança molestada em outra. Um policial comenta passivamente com o outro alguns detalhes sobre o caso, “a mãe está chateada e o tio com raiva” e ressalta o fato do bispo aparentemente estar ajudando a mulher enquanto o padre estava detido em outra sala. Um procurador faz algumas perguntas (houve alguma maior repercussão na mídia, alguém da imprensa?) entra na sala e em poucos minutos o caso é fechado. É uma cena de aproximadamente 2 minutos, mas nesse meio tempo, McCarthy já consegue dar algum sentido para Spotlight existir – há um tema urgente, há uma indignação tanto no olhar do policial que vê o carro se afastando cada vez mais quanto, agora, do espectador que vê o aspecto rotineiro de algo tão absurdo. Nesse momento também, Spotlight brinca com as cartas que tem na mesa: é um filme de depoimentos, de relatos e de histórias (um filme jornalístico) e, portanto de sentimentos ou é um questionador do poder da Igreja na sociedade atual?
A colagem de versões e fatos relatados em Spotlight nunca é focada em um único depoimento exclusivo, quando são, estão montadas ao lado de outras. MacCarthy vê os relatos como uma complementação para uma visão maior do que se trata: a jornalista Sacha (Rachel McAdams) em certo momento se pronuncia para uma das vítimas que esta entrevistando – “dizer abuso não é o suficiente”. O jornalismo necessita de uma maior profundidade ao que é comentado, é preciso narrar e, portanto descrever intensidades (“o uso da linguagem é muito importante” afirma a jornalista). A equipe do jornal Boston Globe ambiciona por visões, visões essas que ultrapassem a própria superfície da palavra e escândalo que provoca o assunto. MacCarthy pretende explorar através das diferentes conexões que a Igreja possui com a sociedade e as vítimas (ou seriam as mesmas?).
Mas como explorar o óbvio da manchete que diz “Padre abusa de crianças”? MacCarthy se utiliza de dois meios sutilmente para extrair diálogos com o público: 1) quando estamos diante de momentos que envolvem a política e, portanto a participação da Igreja e 2) quando estamos diante de relatos sobre os momentos de certas crianças, hoje adultas, quando molestadas pelos padres. Os jornalistas aqui não estão atrás apenas de um único caso como abre casualmente o filme: a investigação da equipe do Boston Globe é maior porque envolve, praticamente, uma denúncia a uma instituição milenar, a igreja. Mas é, inicialmente, sobre aquele mesmo olhar de indignação do policial a um caso que se movem os personagens de Spotlight. MacCarthy, no entanto jamais volta ao passado, não há mais flashbacks, apenas depoimentos de quem viveu aqueles momentos, mas se calou no instante e ainda está calado no tempo atual do filme: o papel da mídia aqui não é nada mais do que o fazer falar, porque o drama em Spotlight não é exclusivo de um único tempo, mas de todos.
Não há nos personagens de MacCarthy um sentimento que não seja compartilhado. Essa reflexão sobre a fé está mesmo no personagem de Baron (Liev Schreiber) um novo chefe no Boston Globe e de fé judaica: ali, naqueles poucos minutos que compartilhamos o espaço com Baron, vemos as intenções de MacCarthy, que não são apenas “jornalísticas”, mas existenciais. Não há culpabilidade nas cenas de Spotlight, muito menos vitimização, mas o questionamento como principal argumento para adentrar a fundo nas questões-chaves que movimentam o filme: o quanto a igreja tem de poder e participação da sociedade? O quanto á fé se tornou uma parte presente na vida das pessoas e principalmente de que modo isso as afeta?
Em meio a todo esse caos de perguntas e escândalo, vêm a principal indagação que se refere á mídia. Spotlight não é um filme sobre escândalos que não eram de nenhum conhecimento, não são exatamente “novos”, eis então que vem a pergunta de Walter Robby (Michael Keaton): “E quanto a nós?”. A dor e o peso do crime que agora parece ter encontrado a luz, traz a mesma angústia que se via nos olhares dos personagens de Eastwood em Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003) e principalmente A Troca (Changeling, 2008): um sentimento de culpa, mas ao mesmo tempo de alívio pelo fato de finalmente ter sido revelado. MacCarthy vai de questionamento em questionamento, aos poucos, refletindo sobre a própria importância do assunto que a mídia quando não negou em divulgar, não deu a devida atenção. Esse ponto de reflexão em Spotlight, onde não há bons e nem maus acaba por provar a singularidade do próprio trabalho de MacCarthy em um cinema que se preocupa com respostas, mas principalmente com perguntas.
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