O filme é um ótimo e raro exemplo de sci-fi que usa e abusa da ciência sólida e bem fundamentada para proporcionar boa diversão ao seu público!
Antes de começar, vamos dar às coisas a devida proporção. A distância média entre o planeta Terra e Marte é de 78.300.000 km (ou 5 minutos-luz). Com a tecnologia que temos hoje, levaríamos cerca de 230 dias (sete meses e meio), dentro de uma apertada espaçonave, só para chegar ao destino. Chegando lá, enfrentaríamos uma temperatura média de -63°C, com máxima de 20°C e mínima de -142°C. Além do clima extremo, teríamos que lidar com tempestades de areia absurdas, e ainda tornados assustadores que se formam a todo instante, numa atmosfera inviável para a sobrevivência do homem. Mesmo que pareça uma loucura, já existem missões agendadas para o planeta vermelho, inclusive com voluntários brasileiros! Muita gente está dedicando a vida para desenvolver pesquisas que levem à obtenção de novas tecnologias capazes de tornar esse sonho cada vez mais factível, sonho esse impulsionado pela insaciável ambição humana de ir além. É esse cenário, portanto, que o renomado diretor septuagenário Ridley Scott (Alien, o Oitavo Passageiro, 1979) explora em seu novo trabalho. Graças ao cinema, podemos não só antecipar, como também embarcar nessa grande viagem!
The Martian (vou chamar assim, essa tradução nacional ficou sofrível) foi lançado em um momento em que voltamos a falar bastante do velho planeta vermelho (temos o envio do robô Curiosity, a recente descoberta de água em estado líquido salgada...), e claro, isso naturalmente levou uma atenção maior para o filme (não deixou de ser uma bela jogada de marketing). Mas felizmente, não se trata apenas de um cine-pipoca aproveitando-se da “febre do momento”, se trata também de uma aula sobre como transformar teorias e práticas científicas supostamente “chatas” ou “nerds” em algo instigante e divertido! Obviamente a história se passa em um futuro (próximo), porém toda a base científica utilizada para explicar tudo o que ocorre é atual e muito bem fundamentada!
Imagine que, por uma fatalidade, um dos astronautas da missão é deixado para trás em Marte. Para resgatá-lo, será preciso enviar uma nova missão, e isso só acontecerá após quatro anos. Então, como sobreviver todo esse tempo em um terreno tão hostil e estéril, a partir de mínimos recursos e, sobretudo, sozinho? Acontece que o astronauta não era qualquer um, mas sim Mark Watney (interpretado por Matt Damon), brilhante cientista dono de uma imensa capacidade de improviso que se torna ainda mais proeminente a partir das inúmeras situações que põem a sua vida em jogo. O forte instinto de sobrevivência o obriga a explorar ao máximo todo o seu conhecimento em bioquímica, física, biologia, matemática etc. para criar ideias e construir verdadeiras engenhocas que o manterão vivo por esse longo período. Afinal, como produzir a própria comida num ambiente infértil como Marte? E a água? E o pior, como conseguir se comunicar, recebendo e passando complexas informações, estando tão distante e com tão escassa tecnologia? Pois bem, tudo isso é mostrado, e de maneira bastante realista!
Claro que nem tudo mostrado ali está correto (segundo uma matéria de uma revista on-line), mas os detalhes científicos explorados são suficientes para tornar tudo bem crível, como se toda aquela situação pudesse de fato um dia ocorrer, e esse é sem dúvidas o ponto forte do filme. Outro aspecto que vale comentar é em relação ao uso do humor. Indo contra a proposta de outros recentes trabalhos de ficção, os roteiristas souberam unir agradavelmente ciência e bom humor, criando situações genuinamente divertidas ou no mínimo curiosas, a despeito do clima assumidamente nerd. Por falar em clima, The Martian se diferencia também por não se deter ao emocional, e nem à tensão constante, como ocorre em Gravidade (2013) de Cuarón. Também não se prende a didatismos, deixando tudo mais ou menos acessível para o público em geral, o que não acontece, por exemplo, em Interestelar (2014) de Nolan (apesar de ser muito bom também).
A mais nova ficção científica da 20th Century Fox possui alguns problemas, ainda que não prejudiquem a experiência, no todo. Por exemplo, podiam ter explorado um pouco melhor certos personagens que ficaram meio deslocados, subaproveitados. Outra questão é em relação à passagem do tempo. Em certas partes o trabalho de edição e montagem não deixa muito clara a noção de longos períodos transcorridos (na escala de muitos meses), mas esse problema está mais relacionado às cenas envolvendo a tripulação da nave de resgate, e não às pertencentes ao astronauta.
Bom, está aí mais um filme para provar que o negócio de Ridley Scott é mesmo sci-fi. Novamente, entrega uma aventura astronômica instigante e bastante prazerosa de assistir, ainda que com um clima bem diferente de seus longas anteriores de temática “espaço”. Poderia facilmente ser usado para estimular crianças e jovens a enxergarem o valor do conhecimento!
"O problema da ficção é que ela precisa ser verossímil, enquanto a realidade poucas vezes consegue sê-lo."
Isabel Allende
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