“Mary e Max – Uma Amizade Diferente” é dirigida pelo australiano Adam Elliot definitivamente não é entretenimento para adolescentes e adultos e nem tão pouco para crianças.
Verifica-se que a película se estrutura de maneira objetiva, isto é, em nenhum momento torna-se evidente que o diretor e roteirista de Mary e Max tenha construído um filme dúbio e confuso em relação ao público alvo, afinal o conteúdo é marcado por assuntos gravíssimos que permeiam o mundo das pessoas.
Pode-se alegar que ambiguamente há a presença de uma personagem (Mary) na obra cinematográfica com a idade de oito anos, entretanto, esse aspecto não caracteriza que a obra se destine a espectadores a partir de doze anos conforme a faixa etária mínima estabelecida em relação ao filme.
A animação Mary e Max é na realidade um drama intenso e profundo que aborda assuntos que perpassam por todas as faixas etárias que envolvem o desenvolvimento maturacional, cognitivo, psíquico e afetivo dos seres humanos.
Então se faz salutar alertar que a construção fílmica de Elliot se passa nos porões dos sentimentos e das relações humanas contendo algumas pinceladas de sensibilidade exigindo do telespectador uma estrutura emocional e senso crítico para ir além do perceber a proposta da película e também suportar a real condição de agonia, medos e angústias na qual a humanidade está inserida.
Percebe-se que tais afirmações sobre o caráter melancólico da animação/drama ficam claramente expressas em diversos elementos como a sombria cenografia com ambientes opacos, isolados, escuros quase sempre passando a idéia de algo conflitante, pesaroso e emocionalmente carregado e os temas retratando solidão, abandono, tentativas de suicídio, alcoolismo, morte e transtornos de neurodesenvolvimento a partir da perspectiva das relações sociais.
O foco narrativo se concentra predominantemente nas figuras de Mary e Max, ela uma garota de oito anos que sofre com a dependência química (alcoolismo) da mãe e com o comportamento do pai que divide sua vida entre o seu trabalho e seu confinamento no hobby de empalhar animais dessa forma ambos tornam-se distantes em relação a filha.
O personagem Max tem quarenta anos e sofre da síndrome de Asperger um transtorno de neurodesenvolvimento que causa ruptura nos processos fundamentais de socialização, comunicação e aprendizado tendo como tendências típicas falar em solilóquio e incoordenação motora, no entanto portadores dessa síndrome muitas vezes tem as áreas cognitivas preservadas e revelam espantosas habilidades.
E a partir de uma ação impensável a pequena Mary inicia uma amizade através de correspondências entre ela e Max dando origem a uma relação em que os dois trocam através de missivas informações sobre dificuldades, desencantos e frustrações e alguns sonhos e um voraz apetite por doces algo comum entre eles.
A vida de Mary além da presença negligente dos pais conta ainda com um incômodo sinal de nascença, a procura de um amor idealizado e seu isolamento escolar, aliás, encontra-se uma cena que caracteriza a prática do bullying. Em suma, a menina só encontra fontes de sofrimento tornado-se solitária.
O mundo de Max devido ao Asperger é de quase total isolamento social demonstrando irritabilidade, busca de privacidade sofrendo transtornos de ansiedade e humor e em linhas gerais insensível em relação aos sentimentos e interações de outras pessoas e pelo estilo de comunicação não-literais e implícitas que expressam.
Max tem intuição e espontaneidade frágeis e demonstra um imenso apego as regras formais de comportamento e as severas convenções sociais.
No transcorrer da película essa amizade imprevisível e diferente não vai ocorrer de maneira uniforme e nem poderia devido às condições tão oscilantes que movimentam e dão o tom a vida desses personagens.
A obra cinematográfica Mary e Max as vezes torna-se cansativa tanto pelo fundo em preto e branco algo concebível e aceitável pelo que cerca a vida de ambos personagens, a narrativa é outro aspecto por vezes enfadonho e recorre a algumas menções débeis e desnecessárias para o contexto sem modificar ou alterar a premissa argumentativa, por exemplo, a frase pseudo-critica e reflexiva expressa num pensamento de Max “Por que as pessoas desperdiçam tanto alimento no mundo enquanto crianças morrem de fome na Índia?” e tal colocação soa como pura demagogia ou pretensa concepção de consciência política e social, além de resumir a Índia a condição de miséria, não que lá não haja um índice crescente de pobreza e fome, entretanto, também se encontra em solo indiano pessoas preocupadas socialmente, riquezas, conhecimento e uma vasta cultura e a partir dessa ótica a citação sobre o tema fome ficou fora de propósito e erroneamente colocado enquanto reflexão.
Contudo, Elliot acerta muito mais do que erra na composição de sua obra se utilizando da impressionante técnica de animação arquitetada a partir de moldes de argila com uma fantástica direção de arte e essencialmente por traçar um paralelo entre a síndrome de Max e a Solidão de Mary evidenciando que as relações afetivas e seus desdobramentos permeiam o homem na sua condição mais inerente de fragilidade, “Humano, demasiadamente, humano.”
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