Lupas (800)
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Como seria um longo episódio de Black Mirror se menos interessado em discutir moral e tecnologia e mais focado em questões íntimas do ser humano. O filme ganha força quando Ruben vivenciar vida nova, encontra a felicidade nas pequenas experiências cotidianas, se encontra, e usa esse empoderamento justamente para se desencontrar, ao encontrar o tal som de metal. Texto paciente, que confia no seu intimismo, seu conceito, e acerta. Em três palavras: sobrevivência, quietude, reencontro. Belo filme.
Rodrigo Torres | Em 15 de Dezembro de 2020. -
Tipo de filme em que eu amo viajar (mesmo quando "viajar" significa "boiar") porque é um filme que me provoca do início ao fim. Fora o fato de permitir interpretações e evocar outras disciplinas e "linguagens" além do cinema. Ver a clara influência da psicanálise e a articulação do onírico sendo tão bem encenados por Charlie Kaufman, que é um roteirista de mão cheia e de vanguarda, proporciona um radicalismo raro no cinema americano. É chegada sua maturidade como diretor, como cineasta.
Rodrigo Torres | Em 14 de Dezembro de 2020. -
Os Irmãos Coen usam o preto-e-branco do cinema noir para representar as dualidades morais do homem e da sociedade em um tempo de idealização do Sonho Americano - aqui encenado como o que de fato fora, e ainda é: uma perseguição individual, uma manifestação do egoísmo que pode ser problemática em um contexto coletivo, um choque essencial passível de terminar em tragédia.
Rodrigo Torres | Em 14 de Dezembro de 2020. -
Damon Lindelof ousou realizar o delírio reacionário de que o democrata é um monstro destruidor da América de seus sonhos. Desvario pintado com as devidas tintas rubras do partido republicano, regado a sangue e vísceras. Sua anti-heroína é uma fuzileira que assassina violentamente um bobão esquerdista que comete o ato falho de lacrar na hora errada (Trump gozaria vendo se não fosse tão burro). Sátira ótima que escarnece de todos que merecem: do caipira reaça a uma elite liberal pirada.
Rodrigo Torres | Em 29 de Outubro de 2020. -
Se a magia do bom roteiro de um filme documental acontece na ilha de edição, o texto de um mocumentário como Borat segue um processo mais longo e imponderável: começa quando o time de roteiristas planeja as pegadinhas do personagem, segue conforme Sacha Baron Cohen improvisa nessas cenas e continua nas peças ficcionais pensadas como fio condutor dessas set pieces cômicas documentais. É um processo que me fascina pela complexidade e pelo resultado espetacular dessa comédia revolucionária.
Rodrigo Torres | Em 27 de Outubro de 2020. -
Um excesso de roteirização incapaz de encadear bem os melhores momentos do filme — justamente aqueles em que o roteiro nasce do imponderável: quando os americanos e seus preconceitos são confrontados pela figura de Borat como em um espelho negro, vendo nele o que há de pior em si. Somente nesses registros do real, e no clímax com Rudolph Giuliani, essa sequência se aproxima da potência do filme original e do que o alçou ao posto de marco do gênero mocumentário.
Rodrigo Torres | Em 27 de Outubro de 2020. -
É filme de tribunal, com todos os engessamentos característicos do formato. É também um filme de Aaron Sorkin, que faz o que pode dentro de uma estrutura de texto episódica. Fica a cargo de um elencaço potencializar os conflitos e realçar a força de seus personagens — que carregam a trama numa lógica um tanto maniqueísta. Ou seja, o filme vai e vem em pontos positivos e burocráticos em cada aspecto principal de sua feitura. Um filme de boas qualidades que não decola porque sua forma é limitante.
Rodrigo Torres | Em 17 de Outubro de 2020. -
Também na Netflix e com uma duração muito maior, The Last Dance vem sendo uma aula do que representa a maior fragilidade de Sergio: sua incapacidade de estabelecer uma linha temporal principal e criar bons motivos para os seus saltos de ida e volta no tempo. Em nenhum momento há algum tipo de provocação que motive o espectador a deslocar o olhar para outro momento, de modo a enriquecer a narrativa, como ocorre no documentário do Chicago Bulls de Michael Jordan - fica a dica.
Rodrigo Torres | Em 02 de Maio de 2020. -
O que o personagem tem de interessante, a narrativa tem de burocrática. E essa imensa falta de criatividade na montagem se agiganta diante da constatação de que a ficção chupou a não linearidade do documentário, também incapaz de estabelecer ganchos que justifiquem sua volta no tempo ou o reiterado acompanhamento das últimas horas de Sergio nos escombros - que não evocam nada: nem medo, nem angústia, nem suscita reflexões, nem potente o suficiente pra mostrar seu comando a instantes da morte...
Rodrigo Torres | Em 02 de Maio de 2020. -
A estética vintage típica dos irmãos Safdie (trilha sonora estranha com base de sintetizadores e fotografia azulada granulada "feia") nunca emulou tão bem o que se passa no entorno caótico e no âmago de seu protagonista — um delinquente incontornável. A narrativa cafona realça a natureza de Howard, o overacting de Sandler (ótimo) reflete a sua histeria e a experiência como um todo de Joias Brutas se torna algo excruciante, extenuante e, em seu clímax, excitante. Que viagem!
Rodrigo Torres | Em 08 de Fevereiro de 2020. -
Clint, aqui, dá motivos para ser criticado por sua visão política de mundo. E o curioso é que esse conteúdo controverso decorre de um problema de forma: as péssimas atuações de Jon Hamm e Olivia Wilde. Por bem, as duas horas de filme se seguram na habilidade do diretor em contar histórias (mesmo as mais simples, como essa, plana, sem grandes viradas ou clímaxes), na concepção de seu protagonista e no carisma de seu intérprete, o excelente Paul Walter Hauser.
Rodrigo Torres | Em 02 de Janeiro de 2020. -
Planos fechados espremem e eventualmente cortam personagens amontoados em um cubículo entulhado, evocando o devido mal-estar de um verdadeiro cativeiro. Ainda assim, Kore-eda concebe esse ambiente insalubre como um lar que emana amor e fraternidade. Assim sua mise-en-scène representa pessoas não só à margem da sociedade, como uma sociedade (de ética) própria, porque restrita, e constrói uma crônica ambígua, complexa, sobre todos em cena e tudo de invisível que compõe aquele cenário. Uma joia.
Rodrigo Torres | Em 24 de Dezembro de 2019.