Apesar de estar longe de ser considerado uma obra-prima, o mais recente trabalho de Roman Polanski possui excelentes momentos e uma narrativa sólida e interessante. O Escritor Fantasma. apesar de conter alguns erros aqui e outros ali, é um ótimo exemplo de filme inteligente com diversão garantida.
A filmografia de Roman Polanski não é muito conhecida do grande público. Seu último filme, Oliver Twist, foi um fracasso de crítica e números, e não recebeu atenção aqui no Brasil. Por outro lado, O Pianista, considerado por muitos como a maior obra-prima do cineasta francês, levou três estatuetas do Oscar pra casa (incluindo Melhor Diretor) e ainda ficou com a Palma de Ouro em Cannes. Seus trabalhos mais antigos, e tão brilhantes quanto, são alguns bons exemplares do suspense/terror que somente uma parcela muita pequena das pessoas conhece. A trilogia do apartamento, composta pelos clássicos Repulsa ao Sexo, O Bebê de Rosemary e O Inquilino, assim como o noir Chinatown estão na lista dos melhores filmes de todos os tempos. Polanski é um diretor de filmografia invejável, mas que também possui os seus tropeços, como o fraco O Último Portal. Mas eis que surge seu mais novo projeto, o thriller "The Ghost Writer", em meio a todas as polêmicas que rondavam o nome do diretor. Ele, até pouco tempo, esteva cumprindo prisão domiciliar na Suíça sob a acusação de estupro a uma adolescente na década de 70. O caso voltou a tona quando Polanski chegou ao país para uma homenagem no ano passado.
"O Escritor Fantasma", assim, tinha chances tanto de ser um fracasso quando um sucesso nas bilheterias. Apesar de pouco mais de 15 milhões de dólares terem sido arrecadados nos Estados Unidos, o filme foi recebido com entusiasmo pela crítica internacional. E, de fato, trata-se de mais um bom filme a ser acrescentado à lista de Polanski, onde a sua direção segura e experiente se sobressai ao resto.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor com Robert Harris (autor do livro no qual o longa é baseado), conta a história do escritor fantasma vivido por Ewan McGregor, que, após concordar em trabalhar nas memórias do ex-primeiro-ministro britânico Adam Lang, descobre que se metera no meio de turbulências políticas e morais, que mudariam sua vida repentinamente. Substituto de Michael McAra, encarregado de completar a obra de Lang que aparentemente cometera suicídio, o escritor vai para uma ilha sombria e tempestuosa onde deve trabalhar no livro junto à equipe do político. Mas o que deveria ser a maior oportunidade de emprego de sua vida ganha dimensões inesperadas. A misteriosa morte de McAra começa a levantar as suspeitas do escritor, que parte para investigações onde nada parece fazer sentido. E como se não bastasse, Adam Lang é acusado de apoiar torturas e massacres na guerra, o que intensifica o clima de tensão tanto fora quanto dentro das paredes da fortaleza política instaurada na ilha.
Apesar de inverossímil à primeira vista, a narrativa é tão bem construída que todos os fatos parecem perfeitamente viáveis de terem acontecido na realidade. Ainda que o roteiro não escape da velha fórmula do novato que descobre os podres do chefe, o desenvolvimento da trama se faz de forma contínua e eficiente. Todo o clima da produção só ajuda na construção geral do conflito, desde a fotografia cinzenta, com os enquadramentos que intensificam a sensação de isolamento na ilha, até os planos-sequências excepcionais e a fantástica trilha sonora de Alexandre Desplat. Polanski, com sua natural elegância para comandar filmes, é o principal responsável por este bom resultado. Mostrando perícia técnica e argumentativa, o cineasta consegue manter o espectador atento a todo o instante, ainda que a trama possua um grau de complexidade elevado. Polanski ainda acerta em detalhes que, por mais insignificantes que pareçam ser, só engrandecem a obra como um todo. Por exemplo, o fato do personagem de McGregor não possuir um nome é somente um aperitivo para aquilo que ele representa na trama. Muitas vezes isso lhe é perguntado, mas o escritor simplesmente responde que é o fantasma de Adam Lang. No entanto, o personagem inominável funciona como o cérebro do filme, onde todas as descobertas e soluções se dão por seu intermédio.
Mesmo assim, o diretor não conseguiu se livrar de alguns clichês do gênero. Por ser um thriller de suspense com boas doses dramáticas, o roteiro apela para métodos mais convencionais para aproximar o personagem principal do espectador. Se o escritor consegue conquistar a simpatia do público, ainda que a interpretação inexpressiva de Ewan McGregor pouco ajude, é muito graças aos maneirismos de Polanski. Ele acrescentou ao script passagens que facilitam a construção da narrativa, mas que em nada alteram o resultado final. A relação amorosa entre o escritor e Ruth, por exemplo, se mostra completamente desnecessária e superficial.
No campo das interpretações, Roman Polanski conseguiu o feito de colocar dois canastrões do cinema em posições confortáveis tanto para o talento limitado de ambos quanto para quem assiste. Ewan McGregor, sempre dono de uma única expressão facial, entrega uma atuação correta e sem excessos. Já Pierce Brosnan adquire um leve tom de arrogância e superioridade ao personagem Adam Lang. Destaque para Kim Cattrall (a eterna Samantha Jones de Sex and the City), que faz uma participação interessante e discreta; Olivia Williams, que interpreta Ruth com competência, e também para Tom Wilkinson, Eli Wallach, Timothy Hutton e James Belushi, que fazem participações realmente boas no longa.
O Escritor Fantasma é um daqueles filmes onde tudo funciona, mas somente poucos aspectos se destacam. Aqui, a narrativa sólida e impactante se sobressai ao resto junto com o talento e a experiência de Roman Polanski para dirigir um filme de suspense. Ainda que não seja tão bom quanto os clássicos de sua filmografia, este aqui possui excelentes momentos (como o final belíssimo), que certamente ficarão lembrados como símbolos do cinema de Polanski para as futuras gerações.
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