Indo na contramão de realizar um filme tradicionalmente assustador - isto é, que dê medo nos espectadores -, Michael Powell, em A Tortura do Medo, opta por colocar o medo como objeto da narrativa, possibilitando que ele seja discutido, pensado, manuseado e vestido pelos personagens. Assim, o medo está no centro das discussões e reflexões dos personagens, guia o comportamento de todos ao longo da trama e, finalmente, os instantes mais catárticos e tensos culminam sempre com sua exploração imagética, por meio das faces de desespero e pavor que sempre preenchem os enquadramentos (Anna Massey inclusive faz um trabalho de expressão exemplar em uma das sequências finais do longa, quando sua personagem, enfim, assiste a uma das fitas do protagonista).
A relação do filme com o medo evidencia também a ressinificação da câmera na narrativa. O artefato básico do cinema, que permite que uma obra cinematográfica seja feita por meio da captação de sua matéria-prima, adquire outros significados e dimensões, decorrentes de sua relação com o protagonista. A simples presença da câmera em cena, bem como os momentos em que ela está apontada para alguém, são motivos de aumento de tensão no espectador, como se ela fosse um revólver ou qualquer outra arma letal empunhada. Observamos aqui um exímio processo de produção do medo por meio de objetos que, a princípio, não deveriam servir a isso.
Por fim, em contraponto a esse tema obscuro, o visual não se constrói absolutamente em tom sombrio: em diversas cenas nos defrontamos com cores berrantes nos figurinos das personagens e em elementos destacados dos cenários. A cena em que a personagem de Moira Shearer dança em meio a luzes e câmeras, em um dos momentos mais belos do filme, se encaixaria perfeitamente em um musical da Era do Ouro de Hollywood. Powell tinha, afinal, um gosto artístico muito refinado.
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