Após fazer um faroeste feminista e um filme com subtexto homossexual, Ray toca em outra polêmica: as doenças mentais. Delírio de Loucura (Bigger Than Life, 1956) é um melodrama expressionista em que Ed (James Mason), um típico americano comum professor trabalhador e pai de família, descobre que está com uma doença terminal e precisa tomar um novo remédio que aumentará sua sobrevida, mas ao voltar para a casa, ele começa a ter reações violentas e imprevisíveis. O remédio serve como catalisador das próprias frustrações do protagonista, que aparentemente vive na maravilha do american way of life, mas após o remédio, Ed (com uma atuação incrível de Mason, também produtor do longa) dispara diversas neuroses e discursos conservadores. Frases como “a infância é uma doença que se cura com educação”, “nos aumentam a vida e não sabemos porque”, “queria ter casado com alguém do meu nível intelectual”, “você tem inveja por que eu trabalho com a mente” são assustadoras por serem extremamente reais, ele sai da hipocrisia em que vivia e passa a externar sua repulsa por si próprio e pelo local em que vive. Em uma das cenas essas “verdades” são ditas em uma reunião de pais na escola, em outra Ed manda Lou, sua esposa, ir trabalhar, ela não aceita submissa e diz que faz o que ele quiser. Devaneios, verdades e ironias à sociedade americana se confundem aqui.
Seu filho passa a ser o seu “projeto” de criação perfeita, sob normas e disciplinas rígidas. Típico “papel do pai”, ele obriga o filho a jogar futebol e estudar à sua maneira. A composição da cena que ele está ensinando o filho o dever de casa é belíssima: o menino no centro e o pai logo atrás em contra-plongée formando uma sombra na parede assustadora. Outra metáfora interessante é a da amamentação, a mãe engana o pai para alimentar o filho com leite, que depois percebe e dispara suas paranóias no meio do jantar familiar. O uso das cores, como não poderia deixar de ser em um filme de Ray, também é incrível: o vermelho está presente na jaqueta do menino, no vestido da esposa e na bíblia. No clímax chocante do filme, Ed conclui, através da bíblia(!) que ele tem que matar o próprio filho para salvá-lo das depravações da humanidade, sua esposa responde que Deus impediu Abraão de matar Isaac, ele grita a frase mais famosa do filme: “Deus estava errado!”. Após prender a esposa, ele liga a TV (a grande mudança cultural e social americana dos anos 50) para abafar seus gritos e sobe para matar o filho, mas sua visão fica completamente vermelha e a cor cobre toda a tela. Uma seqüência que é puro cinema, tanto visualmente como sonoramente.
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