Scarface tem uma proposta interessante destruída por um protagonista clichê e repugnante
Filme que, inicialmente, apresenta uma proposta e uma mensagem interessante, Scarface se faz único ao fazer uma correlação com um fato historio real, como a vinda em massa de cubanos para os Estados Unidos (especialmente para a Flórida) durante o regime socialista de Fidel Castro, mas também se faz clichê pela construção e desenvolvimento de seu protagonista, Tony Montana. O traficante cubano, que constrói sua carreira de criminalidade nos Estados Unidos, cria um abismo entre si e outro famoso personagem também interpretado por Al Pacino, Michael Corleone, da trilogia O Poderoso Chefão, com seu temperamento descontrolado e sua personalidade extremamente arrogante e violenta. É como se Tony Montana, ao invés de ser uma representação artística, fosse uma caricatura cômica cheia de vários estereótipos do bandido.
Scarface tinha uma boa base para ser um bom filme, mas a maneira como Tony Montana foi construído colocou tudo por água abaixo. Tudo relacionado ao protagonista é levado ao extremo, desde a sua violência ao seu autoritarismo. Nada é equilibrado nas ações em Tony Montana, como se o protagonista, ao invés de ter um controle entre razão e emoção, tivesse um superego dentro do cérebro. Obviamente que o objetivo de Brian de Palma e Oliver Stone (diretor e roteirista, respectivamente) eram construir um Tony Montana desequilibrado e irracional, mas acabou gerando um Tony Montana ufanista e alienado. Toda a violência e arrogância que o personagem usa para enfrentar as situações são exemplificadas no fato dele falar a palavra “fuck” 152 vezes ao longo do filme, mostrando que sua violência não é apenas física, mas também verbal e que o torna ainda mais repugnante, e tal arrogância alcança um auge extremo no final do filme quando a protagonista pensa que é capaz de enfrentar uma legião de homens armados enviados por Alejandro Sosa sozinho como se fosse um super homem. Tony Montana não tem as características de um anti-herói admirável, mas de um anti-herói repugnante, um personagem que, já inicialmente, apresenta repúdio ao regime ditatorial de Fidel Castro, que instaurou o socialista em seu país em 1959, mas que age de forma igualmente autoritários com as pessoas ao seu redor, inclusive com sua própria irmã que é controlada pelo irmão por causa de seus relacionamentos; um deles com um amigo de Tony que, por causa disso, acaba morrendo.
O período no qual o filme se passa foi um período conturbado politicamente e ideologicamente. Da guerra fria com a União Soviética e da crise diplomática com Cuba até a cultura civil norte-americana, marcada por um forte armamentismo e uma forma segregação racial, os Estados Unidos vivia em intenso conflito. A violência do filme é contraditória, pois ao mesmo tempo em que pode ser inserida como uma forma de representar os conflitos internos e externos dos Estados Unidos da época, é também inexplicável (principalmente a violência vinda de Tony Montana) considerando que o filme foca muito mais nessa mesma violência do que no funcionamento do mundo do crime e suas conseqüências nos personagens, como faz O Poderoso Chefão, considerado a obra prima do gênero. A única conseqüência do crime que o filme mostra é a morte expressada de uma forma genérica em cima do velho ditado “o poder corrompe o homem”, com a obra finalizando com Tony Montana morto na piscina da mansão que era de seu antigo chefe, Frank. Tal mensagem do filme se fosse convertida para qualquer outro contexto (uma história sobre um político, por exemplo) teria exatamente os mesmo clichês. Se pudesse descrever Scarface em uma oração adversativa, tal oração seria “interessante mas clichê”.
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