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Pagamento Final, O

(Carlito's Way, 1993)
8,7
Média
603 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um dos ápices da obra de Brian De Palma, que mistura com perfeição filme policial, filme de gângsters e thriller de suspense.

9,0

Um dos maiores prazeres que se pode ter como cinéfilo é o de assistir um filme como O Pagamento Final pela primeira vez, sem saber nada de antemão acerca de suas surpresas e emoções, como aconteceu comigo na primeira exibição do filme de Brian De Palma na TV nos anos 90, quando eu tinha treze ou quatorze anos de idade. Depois disso, só nos resta revê-lo periodicamente, chorando nas mesmas cenas, como sempre ocorre nas vezes em que o assisto novamente. O Pagamento Final é um dos filmes que mais deve ter apurado todos os meus sentidos e mais alguns que eu nem imaginei que existiam. E se não é o melhor filme do De Palma, certamente representa o auge de sua maturidade artística, o domínio preciso de todos os ingredientes cinematográficos, manipulados em doses perfeitas. E justamente num dos filmes em que ele não busca fazer referências ao seu ídolo Hitchcock é que ele alcança o ápice das grandes lições do mestre inglês, o conceito de cinema "puro", em defesa da expressão visual em detrimento dos recursos fáceis de explicações orais ou de climas induzidos pelas linhas dos diálogos.

É um filme em que praticamente todas as suas cenas são primorosas, em que não tem uma sequencia sobrando ou faltando, desde o impacto da abertura, quando nos embala com aquela sequencia claro-escura e onírica, com Carlito Brigante (Al Pacino) carregado numa maca e cercado de policiais e médicos, junto com sua namorada Gail (Penelope Ann Miller) e ao fundo observados por operários e outras pessoas da Grand Central Station, quase que em uma verdadeira marcha fúnebre, para logo em seguida quase nos arrancar da poltrona com os discursos inflamados do personagem no tribunal, quando está prestes a ser libertado da cadeia. Mais adiante, toda a tensão e o tiroteio de tirar o fôlego quando o protagonista acompanha seu primo numa “entrega” que não sai como o planejado e que começa com um brilhante jogo de simulações e manipulações em torno de uma mesa de bilhar; terminada essa sequencia, sobrevêm outras cenas de grande impacto, que se acumulam como se De Palma estivesse realmente disposto a surpreender o público toda vez que o filme passasse de um rolo para o outro, quase sempre confirmando a maestria em escolher os ângulos mais apropriados para posicionar sua câmera.

A opção de contar o desfecho logo no começo e conduzir o filme em flashback não diminui em nada o interesse pela fita, que se transforma num réquiem sobre um anti-herói libertado do inferno (a cadeia) para ter o direito de uma jornada pelo purgatório em busca de redenção, mas que no final, não é mais do que um vencido, não pelos inimigos que o acossam na estação de metrô, mas por si próprio, pelo seu passado, sua história, pela fatalidade que o acompanha. No desenlace, o destino abate Carlito Brigante diante da porta que o separa do trem simbólico que o conduziria ao paraíso tão almejado. Al Pacino encarna com perfeição o modelo do herói clássico cujo caminho é conduzido para a tragédia, sem chance ou possibilidades reais da sonhada redenção.

O Pagamento Final é ainda uma obra que abre um espaço generoso para a participação de seus coadjuvantes e na distribuição de importância reservadas para cada figura que aparece no filme e que possibilita ao menos uma grande cena para cada um dos mais de quinze personagens relevantes que cruzam o caminho do protagonista. São marginais, traficantes, advogados e promotores, chefões da máfia, prostitutas e dançarinas que nos deixam com a impressão de estarmos diante de um amplo e ao mesmo tempo estreito universo que responde à verdade das ruas, dos guetos e das boates noturnas, mas sempre subordinados à ação principal, ao périplo de Carlito Brigante nesse cenário de crimes e violência.

E esse drama de gângsteres é também um dos filmes mais românticos de Brian De Palma, um dos que melhor combinaram a junção de thriller e melodrama que o diretor tentara outras vezes anteriores (como no ótimo Trágica Obsessão, de 1976), e que rende momentos mágicos, como quando Carlito com uma tampa de lixo sobre a cabeça protegendo-o da chuva espia Gail durante uma aula de balé que ocorre no alto de um edifício, ou pouco depois, a conversa entre os dois pela fresta da porta do apartamento dela, e o jogo de sedução que se segue ao som de You Are So Beautiful, de Joe Cocker (que resulta em uma lição de como filmar e conceber uma cena de amor no cinema). Mas nada supera a ultima meia hora que culmina na eletrizante perseguição na Grand Central Station, possivelmente o entrecho de maior densidade sustentada em toda a obra de De Palma e uma verdadeira aula de direção por parte do cineasta. A música melodramática de Patrick Doyle, a extraordinária caracterização de Sean Penn (totalmente diferente do restante de sua carreira no papel do advogado corrupto e viciado em cocaína que salva e depois arruína o caminho do protagonista) e a gelidez loura de Penélope Ann Miller fornecem o contraponto definitivo a esta obra-prima.

Comentários (13)

Douglas Rodrigues de Oliveira | quinta-feira, 29 de Agosto de 2013 - 16:06

TOP 3 do De Palma (Ainda prefiro Um Tiro na Noite), e quem não viu que se faça o favor.

Francisco Bandeira | quinta-feira, 29 de Agosto de 2013 - 16:11

Um das obras máximas do De Palma, com Al Pacino ainda em bons papéis, Sean Penn ja demonstrando que seria um monstro de atuação e Penélope Ann Miller surpreendendo. Trilha Sonora sempre destaque nos filmes do diretor tbm, e tensão na medida certa. Tá na minha lista de favoritos dele, junto com Os Intocáveis, Um Tiro na Noite e Scarface.

Daniel Mendes | sexta-feira, 30 de Agosto de 2013 - 00:11

Um dos melhores filmes de todos os tempos. Ótima crítica, Lazo. 2 Só cresceu com o tempo.

Eduardo da Conceição | sexta-feira, 30 de Agosto de 2013 - 13:54

Assistir esse filme pela primeira vez é uma coisa magnífica. Lembro-me do coração quase ter saído pela mão durante a perseguição final.

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