Hitchcock, à época de Psicose (Psycho, 1960, EUA), foi retratado no cinema em filme homômimo (Hitchcock, 2012, EUA) como portador de uma fixação oral (por comer e beber) acentuada, de uma genialidade eventualmente insegura e de um senso de humor que fez dele quase simpático. Na TV, com o telefilme The Girl (The Girl, 2012, EUA) o Hitchcock de Os Pássaros (The Birds, 1964, EUA) aparece com a mesma fixação oral, mas absolutamente seguro de sua genialidade, com um senso de humor ácido e personalidade perversa.
Lançadas praticamente ao mesmo tempo, as duas versões diferem pelo foco narrativo e, consequentemente, trazem dois personagens a partir de uma única “figura histórica”. O primeiro foi construído a partir do livro de Stephen Rebello, Hitchcock - Os Bastidores da Filmagem de Psicose. Baseado neste retrato falado o diretor Sacha Gervasi lança um terceiro olhar sobre os fatos criando, inclusive, cenas de intimidade doméstica, inexistentes no livro, mas que ajudam o espectador a torcer por Hitch.
No segundo, o discurso a partir do qual a figura de Hitchcock é erigida é o de Tippi Hedren, atriz que protagonizou Os Pássaros e Marnie, Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964, EUA), hoje com 83 anos. Tippi, descoberta pelo diretor quando tinha 33 anos e era praticamente desconhecida, revela que foi assediada moral e sexualmente por ele e, por ter resistido às suas investidas, sofreu tormentos psicológicos e físicos. Da mesma maneira, aí também há o olhar do diretor Julian Jarrold. Neste caso, o espectador torce pela protagonista. A família de Hitchcock não se pronunciou a respeito de The Girl, adotando um permissivo silêncio.
Ainda que estivéssemos falando de documentários, sabemos que a imparcialidade não existe e que qualquer história fala, primordialmente, sobre seu narrador. Dessa maneira, se o espectador estiver procurando, ingenuamente, uma única verdade, pode se decepcionar com os dois filmes. Porém, se estiver disposto a juntar peças para reconstituir, à custa de alguma pesquisa e olhar crítico, uma personalidade complexa, aí está um prato cheio.
Hitchcock é um filme correto e interessante. A narrativa entrega o que promete (o que, teoricamente, prometem todas), aproximadamente duas horas de entretenimento. Anthony Hopkins no papel título se esforça para não parecer caricatura, o que não seria difícil ao interpretar uma figura tão cheia de trejeitos e manias. Aliás, Hopkins, depois de patinar por comédias românticas e filmes de ação, execeção feita a 360 (360, 2011,Reino Unido, Ástria, França, Brasil), finalmente volta a um papel interessante. Hellen Mirren, como Alma Hitchcock, a devotada embora não submissa esposa do diretor, recebeu diversos prêmios por sua atuação. Ah, Scarlett Johason como Janet Leigh também merece uma (rápida) menção honrosa.
Para aqueles que ficaram curiosos acerca da biografia Alfred Hitchcock, afortunadamente, a vida dele foi bem documentada. No livro Hitchcock Truffaut, correspondências entre os dois diretores são reveladas ao público, assim como importantes aspectos de seus caráteres e métodos de trabalho. Também não faltam entrevistas com atores, alguns deles ainda vivos, que relatam, na maior parte dos casos, o quão insuportável podia ser trabalhar com ele. A supracitada Tippi Hedren, por exemplo, não esconde críticas.
Assim, por alguns méritos artísticos e, principalmente, por despertar interesse pelo diretor inglês, Hitchcock vale bastante a pena. Nota: 8
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