A construção de um mito nacional
Não há dúvida que a maioria dos jovens brasileiros, alguma vez na vida, se identificou com alguma frase ou verso escrito por Renato Russo e sua Legião Urbana, gostando ou não da banda. As décadas se passaram e a Geração Coca-Cola virou Geração Malhação para, mais recentemente, tornar-se Geração Facebook. O que não mudou foi que a música de Renato ainda permanece presente na vida desses jovens e vai sendo transmitida em gerações seguintes. As letras escritas pelo garoto tímido, fã de punk rock e que chegou a ser um dos maiores ídolos nacionais tratam de temas que vão desde a solidão, timidez e amor a protestos políticos e sociais. Passados quase 20 anos depois de sua morte, ocorrida em 1996, eis que surge "Somos Tão Jovens" (2013), o primeiro filme não documental sobre Renato que chega aos cinemas.
É importante lembrar, para quem ainda não assistiu, que o filme não se trata de uma biografia sobre toda a vida de Renato Russo - algo parecido como "Cazuza - O Tempo Não Pára" (2004). Na verdade, a história se concentra nos anos de 1976 até 1982, período em que o Brasil ainda estava sob regime militar e Brasília moldava-se para se tornar o berço das grandes bandas do rock nacional que iriam explodir nas décadas futuras, entre elas Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial e a própria Legião Urbana. E é esse contexto que o diretor e o roteirista se preocuparam em retratar, evidenciando mais a importância que Renato teve diante daquele grupo de jovens que tinham um sonho em comum.
O trabalho do diretor Antônio Carlos da Fontoura felizmente não se limitou à tradicional carga dramática feita para arrancar lágrimas do público ou produzir cenas chocantes, o que é comum em filmes biográficos e que tanto o cinema comercial nacional já fez em obras anteriores. Boa parte do filme é bem humorada, com algumas cenas cômicas, mas também outras que emocionam. A falha na direção encontra-se no início da projeção, em que o diretor joga as cenas sem tempo para o público refletir e que os fatos acontecem rapidamente, algo que dá para o filme um ar daquelas biografias bem convencionais. Em não menos de 15 minutos, Renato Russo sofre um acidente de bicicleta, é operado e diagnosticado com epifisiólise, passa meses preso na cama, se recupera, escreve músicas etc. Esse período de vida em que Renato passou no quarto lendo, ouvindo rock e escrevendo foi essencial para a sua formação musical, segundo palavras do próprio cantor. Isso poderia ter sido mais trabalhado pela produção e, portanto, não haveria um estranhamento logo nos minutos iniciais do filme. Outro problema percebido no início são as frases-efeito referidas às músicas mais populares da Legião Urbana que o roteiro faz tanta questão de fazer, algo que se mostra forçado e feito para agradar as massas.
Depois de falhar no começo, o filme torna-se mais interessante quando Renato se introduz no mundo da música, passando a conviver com importantes personalidades que seriam reconhecidas em todo o Brasil nos anos posteriores, pessoas como os irmãos Flávio e Felipe Lemos, André Muller, Dinho Ouro Preto, Marcelo Bonfá e Dado Villa Lobos - estes dois últimos formariam, junto com Renato, a união clássica da Legião. O espírito jovem do filme, enfim, começa a emergir. Aquela juventude altamente influenciada pelas bandas de rock inglesas, com a alma de revolucionários, anti-burguesa e indignada com a situação política do país toma conta de Brasília, e é Renato Russo a figura que mais se destaca.
A emoção do filme está na trilha sonora, principalmente nas músicas cantadas pelo ator Thiago Mendonça, que trabalhou duro para assemelhar sua voz com a de Renato. Aliás, grande parte do elenco jovem trabalha muito bem nas suas interpretações. Uma curiosidade do roteiro está relacionada à personagem Aninha, que, segundo algumas fontes da internet, ela não existiu e é, afinal, fictícia. No filme, a personagem é a melhor amiga de Renato, aparecendo sempre como sua conselheira e seu porto seguro e ainda serve como explicação para a origem da música "Ainda é Cedo". Há muitas histórias que tentam explicar a inspiração que Renato teve para escrever a canção, que vão desde a um grande amor desconhecido até boatos sobre cocaína. Mesmo que talvez a personagem possa ser uma mentira, ela acaba funcionando por ganhar bastante destaque e servir para uma das mais belas cenas do filme, que é justamente quando "Ainda é Cedo" é tocada.
"Somos Tão Jovens" vai decepcionar alguns fãs da banda e do cantor, por ainda não ser a biografia ideal para um ídolo tão importante do país. Decepção que talvez seja por causa da forma que o filme foi divulgado, sendo considerado para algumas pessoas como "o filme da Legião Urbana" ou "o filme sobre Renato Russo", o que não é bem assim. "Somos Tão Jovens" é um título que traduz perfeitamente a alma do filme e se refere àqueles adolescentes que viveram numa época tão conturbada do país. Eles eram nada menos que os filhos da revolução, os burgueses sem religião, o futuro da nação, a geração coca-cola. No final, é impossível não se juntar ao eco que surge no cinema na voz do mito que é Renato Russo...
"Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação. Serão noites inteiras, talvez com medo da escuridão. Ficaremos acordados, imaginando alguma solução. Pra que esse nosso egoísmo? Não destrua nosso coração."
Obrigado pelas diversas homenagens ao meu texto! Levo isso como um grande elogio.
http://www.cineplayers.com/comentario.php?id=35945
houve uma extrema coincidência entre os nossos textos, sendo que, na verdade, nem tinha lido o seu antes de escrever sobre o filme. Tivemos a mesma visão da obra...